quarta-feira, 6 de abril de 2011

Mais grunge na moda e na música

Há dezessete anos, na manhã do dia 8 de abril de 1994, o eletricista e jardineiro pessoal dos Cobain entrou na mansão dos patrões para realizar os trabalhos de rotina. Ele limpou os canteiros, aparou a grama, verificou os fusíveis da casa principal e foi à estufa para regar os vasos de plantas. Antes de entrar, percebeu que algo estava errado. Olhou pela vidraça e viu um homem caído. Havia sangue por todos os lados, uma espingarda ao lado do corpo e um pedaço de papel amassado na mão esquerda do cadáver. O jardineiro fez a meia-volta e correu para o telefone mais próximo. Chamou a polícia e avisou: acabara de encontrar o patrão, Kurt Donald Cobain, 27 anos, que estava desaparecido desde o dia 2 do mesmo mês.

Kurt era viciado em heroína, e fugiu do centro de reabilitação no qual estava internado para se suicidar em casa. Os peritos afirmam que ele se matou no dia 4, com um tiro de espingarda de cano duplo, na boca. Cobain era marido de Courtney Love e pai de Frances Bean, de 3 anos, para quem dedicou seu bilhete de despedida. Kurt também era a maior estrela do rock naquela época. Com ele, morreram o Nirvana, a rebeldia dos anos 1990 e o grunge, considerado o último grande movimento roqueiro do século XX.



Kurt Cobain foi o responsável pela expansão do movimento grunge, com sua música e estilo, pois foi sua Smell Like Teen Spirit, principal canção do álbum Nevermind, de 1991, que explodiu a ideologia pelo mundo. O grunge de Cobain e de outras bandas do movimento levou aos jovens a possibilidade de enfrentar os próprios sentimentos e defender seus pontos de vista sobre assuntos como sociedade e família. Mesmo as demais bandas do movimento pararam, paulatinamente, de tocar e gravar, e acabaram por desaparecer do cenário musical. É do grunge também todo um estilo de vestimenta, que tem reflexos na moda até os dias de hoje.



Agora, dezessete anos depois da morte do principal nome do grunge, o estilo começa a reaparecer, na moda e na música. Algumas das bandas que marcaram a época retornaram, gravaram novos discos e estão em turnê pelo mundo. É o caso do Soundgarden, Pearl Jam, Mudhoney, Alice in Chains, Sonic Youth, Hole, Stone Temple Pilots e até o Rage Against the Machine, que apesar de não fazer exatamente parte da leva grunge, também aproveitou a onda para subir nas paradas de sucesso. Há ainda aqueles remanescentes que seguiram outras linhas musicais, mas não perdem a pegada do principal movimento noventista, como o Foo Fighthers e os Pixies. Algumas destas bandas passaram pelo Brasil no ano passado, ou têm shows marcados em solo canarinho para 2011.



Na moda, estilistas de toda parte aproveitam o renascimento do movimento para relançar peças típicas do grunge, como camisas xadrez e calças rasgadas. Mas, para entender estas roupas, é preciso entender o movimento.






Nasce o grunge.





Até o final dos anos 1980, a música norte-americana era dominada por, basicamente, três estilos: o discoteque, o heavy metal meio glam, e a música de Michel Jackson. Os jovens roqueiros eram praticamente obrigados a conviver com suas únicas opções, em bandas como Kiss, Twisted Sisters ou Guns’n Roses, que crescia na virada da década. O punk rock dos Sex Pistols e dos Ramones decaíra desde o início dos anos 1980, quando Sid Vicious matou a namorada, Nancy, para se suicidar por overdose meses depois. As mudanças políticas e econômicas também eram opressoras para os adolescentes.



Se tudo era ruim assim para os jovens das grandes metrópoles, só podia ser pior para os garotos do interior do Estados Unidos. A pequena Seattle, cidade fria da Costa Oeste, não oferecia mais opções que a capital do Estado onde é situada, em Washington. Ali, no distrito de Aberdeen, chove o ano inteiro. O frio também é constante, pois a cidade fica próxima do pólo. Por ser uma pequena província, Aberdeen conta basicamente com duas opções de emprego: peixarias ou corte de lenha. O grande mercado de peixes da cidade emprega a maioria dos homens e mulheres, assim como as florestas estão cheias de lenhadores. Como em ambas as profissões as roupas são gastas rapidamente, os funcionários se vestem apenas com as peças mais baratas dos mercados e brechós. Em 1989 era possível encontrar uma camisa de flanela com estampa quadriculada por apenas 50 centavos de dólar, de acordo com o biógrafo Charles R. Cross, autor do livro “Havier Than Haven” (Mais Pesado que o Céu), que conta a vida de Kurt Cobain.



Foi dali que saíram todos os nomes do grunge, em histórias dignas de contos de fadas. Veja o caso de Cobain: formou o Nirvana em 1989, quando gravou o álbum “Bleach”, pela SubPop, gravadora de pequeno porte, com distribuição de apenas mil cópias. Em dezembro de 1990, Kurt morava em um carro, pois não tinha dinheiro para pagar o aluguel de uma casa. Em 1991, Cobain era o maior astro do mundo do rock. A reviravolta se deu quando um produtor da Geffen, gravadora da Warner Bros, assistiu a uma apresentação do Nirvana na qual os rapazes tocaram “Smells Like Teen Spirit”. Eles assinaram com a gravadora e explodiram nas paradas da Billboard. Duas semanas após o lançamento de Nevermind, o Nirvana já era primeiro lugar no ranking, ultrapassando até mesmo o Michel Jackson, que dominava a primeira colocação havia 3 anos consecutivos.



Com uma mudança tão brusca de vida, mal deu tempo para Cobain se preparar para o sucesso. E foi com aquelas roupas de Aberdeen, calças jeans desfiadas pelas horas de trabalho, camisas xadrez de flanela barata e botas batidas, que Cobain e seus companheiros de banda , Krist Novoselic e Dave Grohl, apareceram em todos os programas de televisão, shows e propagandas.



A música era diferente. Os garotos do grunge não tinham a habilidade musical necessária para tocar o tão aclamado heavy metal de sua adolescência, e também não eram de todo revoltos com os sistemas políticos para voltar-se ao punk rock. Este crossover, esta mistura, resultou na musicalidade grunge, com guitarras barulhentas e solos destoantes. Foi em uma revista de crítica musical que o termo “grunge” surgiu pela primeira vez. O termo deriva da palavra “grungy”, uma gíria norte-americana para “encardido”, que define tanto as roupas quanto as músicas destes artistas.



A partir do sucesso do Nirvana, as gravadoras foram em busca de outras bandas daquela região para lançarem ao mercado. Vieram os demais grupos, todos tão assustados quanto Cobain, todos com as mesmas vestimentas. As bandas formadas por garotas também chamaram a atenção, assim como as peças de brechó usadas pelas meninas. Um estilista de fama internacional, Marc Jacobs, percebeu que aquelas roupas eram imitadas pelos jovens de toda parte, e sentiu o potencial do estilo. Jacobs lançou a primeira coleção baseada no grunge, em 1993, e o estilo se popularizou nas vitrines das lojas e shopping centers. De acordo com a filósofa e consultora de moda Ana Carolina Acom, “o visual era junkie, porque tanto o público, assim como as bandas, eram junkies, e as mangas compridas escondiam as picadas (de heroína)”.



A moda pegou e muito. Mesmo as demais bandas grunge, aquelas que não eram dos frios recônditos de Seattle, mas das praias da Califórnia, também eram adeptos do brechó. A aparência destes rapazes era realmente a de um comprador atacadista que entrou em um bazar e vestiu o máximo de peças que conseguiu, mesmo sem se importar com as combinações.





Morre o Grunge. Mas volta.





Com a morte de Cobain, a cena grunge esfriou. Algumas das características ficaram fixadas ao vestuário do dia a dia das pessoas, como as camisas xadrez por cima de camisetas brancas, sempre usadas pelos homens em ocasiões não-formais. Mas aquela febre passou, ficou adormecida. As bandas se dissolveram, e a moda seguiu caminhos diferenciados.



As tendências começaram a reaparecer já no início dos anos 2000, quando o antigo vocalista da banda Soundgarden, Chris Cornell, juntou-se aos demais integrantes da banda Rage Against The Machine para formar o Audioslave. O grupo atingiu as rádios com o single “Like a Stone”, além dos videoclipes de “Cochise” e “Show me how to live”. Tanta gritaria grunge era acompanhada por um vestuário diferente, mas não tanto. Ao invés dos blusões e calças rasgadas, Cornell trouxe à tona as peças de brechó que valorizam a sensualidade masculina, com calças justas e camisetas pequenas. É claro que a sensação do grunge sempre esteve à volta, com as estranhas combinações do cantor.



Pearl Jam veio ao Brasil, pela primeira vez, em 2005. Foi o retorno oficial do estilo musical, um novo suspiro. Com eles, vieram Mudhoney, L7 e até os Pixies. As rádios voltaram a tocar as músicas do início dos anos 1990 e os jovens voltaram a apreciar a ideologia do grunge. Só faltava o aval dos estilistas.



Este aval veio com o intitulado (pelos próprios especialistas em moda) “New Grunge”. AS camisas xadrez ganharam novo desenho, menos largas e mais rentes ao corpo. Os jeans rotos viraram bermudas e shorts para as meninas. Boinas e chapéus engraçados tornaram-se tendência. Os tênis de basquete substituíram as botinas de cano curto.



Na música, somente no ano passado, diversas bandas visitaram o País do Futebol. Entre elas, Stone Temple Pilots, Mudhoney, Rage Against The Machine (de volta, após o término do Audioslave), Pixies. Shows do Alice in Chains (com novo vocalista) estão marcados para novembro deste ano.



Dezessete anos após o suicídio de Cobain, ele é relembrado na moda e na música, o que prova que o grunge não morreu. Ele só estava dormindo.






Republico agora a entrevista que fiz com a banda Mudhoney, por ocasião da Virada Cultural de 2010.


Banda precursora do maior movimento musical dos anos 90 toca em Mogi







Imagine uma cidade onde chove em 80% do tempo. O clima costuma ser frio e úmido, e essa cidade é conhecida por alguma produção rural. No entanto, a tal cidade fica praticamente ao lado de uma das maiores metrópoles do país. Por isso, a única opção dos jovens para se divertir é aproveitar os fins de semana na capital, ou aceitar as poucas condições culturais propostas por sua província. Geralmente estas opções não lhe são agradáveis.



Não, não estamos falando de Mogi. Esta é a Seattle de Mark Arm, Steve Turner, Guy Maddison e Dan Peters, os rapazes do Mudhoney. A banda precursora do movimento grunge esteve em Mogi no sábado passado (22), como a principal atração da Virada Cultural Paulista. Atraindo o maior público da festa, cerca de 15 mil pessoas se espremeram na Avenida Cívica para assistir ao show da banda, os integrantes do Mudhoney logo se identificaram com nossa cidade, pelas semelhanças com sua terra natal.



As condições de Seattle no final dos anos 1980 foram de suma importância para o surgimento do grunge. De tão entediados, ainda que não soubessem tocar corretamente, aqueles jovens provincianos resolveram criar a própria música para passar o tempo e soltar a opressão em que acreditavam viver. Não eram, nem de longe, tipos ideais de astros do rock, propensos ao heavy metal. Também não estavam se preocupando com os problemas de cunho social, descartando o punk. Era apenas expressão, com suas guitarras barulhentas e vocais gritados, usando as mesmas roupas com que costumavam trabalhar ou se proteger do frio. O Mudhoney foi a primeira banda a ter este tipo de som reconhecido no meio alternativo e independente.



O termo "grunge", que vem de "grungy" - encardido, em inglês -, ilustra bem o tipo de música destas bandas. Ninguém poderia dizer que este estilo um dia faria tanto sucesso. Até que, em 1991, outro rapaz de cabelo engordurado, Kurt Cobain, mostrou sua Smells Like Teen Spirit para o mundo, em um dos álbuns mais importantes de toda a história do rock. Nevermind chegou a desbancar Michael Jackson do primeiro lugar das paradas da Billboard, o que não acontecia há anos. O Nirvana de Cobain foi totalmente influenciado por Mudhoney. Se hoje você usa roupas com estampas em xadrez, calças jeans desfiadas ou camisas de flanela, moda típica da geração X, agradeça ao grunge.







Guilherme Peace: Esta é a quarta vez que tocam no Brasil. Existe alguma diferença do público brasileiro com os fãs de outros países?



Mark Arm (vocalista): Existe sim! Os brasileiros são mais calorosos. Mas a maior diferença, e o mais legal, é que o público do Brasil canta junto todas as canções, inclusive as mais recentes, o que não é muito comum nos outros países.







GP: E como é tocar hoje as mesmas músicas de 20 anos atrás e ver todo este público, uma mistura entre velhos e novos fãs, de várias idades diferentes?



Steve Turner (guitarrista): Cara, isso é uma coisa maluca! [risos] Acho que o ponto alto da música é esse lance de não envelhecer, sabe? As canções acabam sendo meio atemporais...







GP: Vocês influenciaram toda uma geração, além de iniciar um movimento musical que alguns chamam de "último suspiro do rock". Acham que sua música mudou muito de lá pra cá, ou ainda é o grunge de sempre?



Turner: Não mudou muito não. Só o fato de que estamos mais velhos.







GP: No começo, Mark Arm fazia parte do Green River, banda que se dividiu, e dessa divisão surgiram o Mudhoney e o Pearl Jam. Por que vocês não seguiram o mesmo caminho de fama que o Pearl Jam, no meio mainstream?



Turner: Acho que nossa música sempre foi muito mais "suja" do que a dessas outras bandas... Não queríamos seguir o mesmo caminho...



Arm: Na verdade, não esperávamos chegar tão longe. E olha onde estamos... em Mogi das Cruzes! [risos]





Esta reportagem foi originalmente publicada nos jornais Mogi News, de 28/05/2010, e Diário do Alto Tietê, de 29/05/2010.