quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Onze anos americanos

Por Guilherme Peace, Patrícia Freire, Raron Moura e Lívia Nunes

Fatos que a antecederam


Crise “PontoCom”, ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono, redução dos juros, crescimento da economia, mercado “subprime”, “bolha imobiliária”...Esses são alguns acontecimentos marcantes dos últimos onze anos que mudaram a rotina americana e contribuíram para crise econômica de 2008 .

Como efeito do grande investimento no mundo da internet e das telecomunicações na década de 90, a economia estadunidense no ano 2000, passou por quebras, fechamentos e fusões de empresas do ramo. Na época, o Federal Reserve (Banco Central americano) respondeu com uma diminuição de 0,5 ponto na Prime Rate (taxa básica de juros americana) para controlar a situação. Com isso, o FED iniciava uma tendência de redução que levaria a economia americana, de um lado crescer fortemente no cenário mundial, e por outro, entrar numa longa crise que colocaria todo sistema financeiro risco.

A crise de 2000, denominada de “PontoCom” durou apenas até 2001, ano em que ocorre no dia 11 de Setembro o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono nos Estados Unidos. Na primeira semana do atentado, o sentimento de insegurança provoca uma queda nas principais bolsas de valores americana e mundiais, o índice da Dow Jones bateu o recorde de queda de 14,3%, na Alemanha de 8,5%, em Londres de 5,7% e no Brasil de 9,2%. O Federal Reserve forneceu 300 bilhões de dólares para fomentar a liquidez (gerar circulação de capital), três dias após os ataques. A situação foi regularizada rapidamente.

Após o atentado, o Governo Bush começa o plano “Guerra ao Terror”. Gastos em duas guerras no Afeganistão e no Iraque levaram os Estados Unidos a um endividamento de US$ 14,6 trilhões nos de 2001 a 2011, cerca de 20% de toda a dívida do mundo.

Para estimular o crescimento da economia, o FED reduz ainda mais a taxa básica de juros, que em Dezembro de 2003, chega a 1%, e diminui as restrições para concessão de crédito. Antes, para realizar um financiamento ou empréstimo era exigido um índice cadastral de 620 e entrada de 20%, além da comprovação de renda, então se passa a exigir apenas 500 de índice cadastral e sem entrada O mercado imobiliário e hipotecário se aproveita da situação para construir e vender mais casas. Nesse período, comprar uma casa deixa de ser apenas necessidade, mas uma forma de investir dinheiro.

O americano que antes tinha dificuldade para realizar o sonho da casa própria, neste momento podia ter mais de uma. A partir da diminuição de juros e empréstimos fáceis, a ideia transmitida ao consumidor é que se ele pode receber determinado empréstimo ou financiamento, significa que é capaz de cumprir com as prestações. As empresas hipotecárias também se aproveitaram do bom momento para comprar emprestar, tendo os imóveis como garantia. Várias pessoas hipotecavam seus bens para pagar dívidas e consumir ainda mais, porque confiavam no mercado e na valorização do imóvel.

Com o crescimento da economia americana, mais bancos e outros fundos de investimento abrem os cofres para o setor “subprime” (clientes com baixa renda ou histórico ruim de crédito), com taxas mais altas para compensar o risco. Sem regulamentações estatais, títulos de dívidas são vendidos e repassados para diversas empresas, financiadoras, hipotecárias e bancos que buscam mais lucros em cima do mesmo imóvel. Esses títulos denominados lastreados são vendidos para diversas companhias das bolsas de valores do mundo.

A economia americana começa a ficar desfavorável, quando os clientes do setor “subprime” não conseguem arcar com as dívidas, sejam as prestações da casa ou empréstimos e assim, os bancos começam a ficar inadimplentes. Isso porque, com os altos gastos em Guerra, o FED foi obrigado a aumentar a taxa básica de juros. De 2004 para 2006, vai de 1% para 5,35%.

Devido ao acúmulo de inadimplências, milhares de americanos começam a perder suas casas. O “American Dream” começa a virar um pesadelo, tanto para os consumidores, quanto para as empresas imobiliárias, hipotecárias e os bancos. Outro fator que propiciou a crise americana foi a demora em perceber as consequências que os exageros nas transações imobiliárias traria para economia. Quando se percebeu que a maior parte dos consumidores não conseguiria mais arcar com os altos juros em cima das parcelas dos empréstimos, o montante de títulos lastreados não tinha mais valor mercadológico, eles já eram títulos podres (com alto risco de “default”).

Outra surpresa para o mercado americano, a desvalorização do imóvel. A dívida referente às casas financiadas e hipotecadas era muito mais alta que o seu valor comercial. Nesse cenário, começa o fator que levaria a crise imobiliária à crise financeira, a retração do crédito. Assim, a temida bolha imobiliária estoura e várias empresas abrem falência. A primeira, uma das 10 maiores no setor imobiliário americano, a American Home Mortgage (AHM) que pediu concordata e teve sua dívida repassada para outras empresas.


2007 e 2008: Os primeiros efeitos da crise


A crise imobiliária se torna uma crise financeira com conseqüências em todo o mundo, a partir da inadimplência dos clientes subprime. Os efeitos aparecem pouco a pouco em 2007 e se arrastam até o ápice da crise, em setembro de 2008.

Em abril de 2007, a New Century Financial, especializada em empréstimos subprime decreta falência, causando a demissão da metade dos funcionários. Suas dívidas foram repassadas a outros bancos e o mercado dos empréstimos de risco começa a entrar em colapso.

Após três meses, em julho, o quinto maior banco de investimentos dos EUA, Bear Stearns, diz que seus investidores não conseguirão resgatar o dinheiro de ações ligadas aos empréstimos hipotecários subprime. O valor líquido desses ativos caiu e já representava apenas 9% do inicial. Com a inadimplência, faltava dinheiro para o banco cobrir os créditos desses fundos de investimentos.

Agosto é o mês em que o tamanho da crise é revelado quando o banco de investimentos francês BNP Paribas informa aos seus investidores que eles também não conseguirão resgatar os investimentos. O banco congelou resgates, alegando dificuldades em avaliar os valores investidos.

Os países começam a desenvolver políticas financeiras para a recuperação do mercado. O Banco Central europeu investe 203 bilhões e 700 milhões de euros no setor bancário. Nos EUA, o Federal Reserve, interfere com um corte na taxa de juros para empréstimos aos bancos pela metade. Assim, eles teriam mais condições de se sustentar, mesmo com a inadimplência dos cientes.

Em 13 de setembro, o banco britânico Northern Rock pediu e recebeu ajuda financeira emergencial do banco central britânico e os correntistas retiraram mais de 2 bilhões de dólares no dia seguinte, em uma das maiores fugas de capital da Grã-Bretanha. O banco suíço "UBS Investment Bank" revelou perdas de 3,4 bilhões de dólares. O gigante Citigroup, banco de investimentos americano, também divulga perdas de 3,1 bilhões de dólares com o mercado subprime.

Em dezembro, George Bush, ex-presidente dos EUA, anunciou um plano de ajuda do governo americano que consistia na união de cinco bancos centrais. O Federal Reserve coordena uma ação de empréstimos a outros bancos.

Em fevereiro de 2008, em decorrência da crise, o governo britânico nacionaliza o Nothern Rock e o americano, Bear Stearns é vendido a 2,00 dólares a ação ao JP Morgan (outro banco de investimentos americano) com apoio do governo, garantindo 30 bilhões de dólares de “ativos podres” do Bear, os títulos que estavam ligados aos empréstimos de risco. O valor da compra foi de 240 milhões, sendo que um ano antes, o banco valia 18 bilhões de dólares.

Em abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que as perdas podem chegar a 1 trilhão de dólares, e ressalta que a crise se espalhou para setores como crédito ao consumidor e dívidas de empresas.

O banco central da Inglaterra divulga plano de 50 bilhões de libras para ajudar os bancos, eles poderiam trocar dívidas de hipoteca por títulos do governo.

Os bancos precisavam de dinheiro, repor a liquidez, e começam a lançar novas ações no mercado. O banco britânico Royal Bank of Scotland lança ações no valor 12 bilhões de libras (mais de R$ 41 bilhões), o maior lançamento da história da Grã-Bretanha.

Em maio, o banco suíço UBS também lança ações no valor de 15,5 bilhões de dólares para cobrir parte de suas perdas, que chegaram a 37 bilhões de dólares, mais do que qualquer outro banco afetado pelas turbulências do mercado internacional.

Em junho, o banco britânico Barclays, anuncia os planos para levantar 4,5 bilhões de libras (cerca de R$ 15,4 bilhões) lançando ações no mercado.

Em julho, as autoridades financeiras dos EUA prestam ajuda a duas gigantes do setor de hipotecas: Fannie Mae e Freddie Mac. As companhias eram responsáveis por quase metade das hipotecas do país e possuíam cerca de 5,3 trilhões de dólares em financiamentos no mercado imobiliário americano.

Em agosto, o gigante europeu HSBC alerta que as condições são as mais difíceis das últimas décadas, depois de sofrer queda de 28% nos lucros semestrais. O ministro da Fazenda britânico, Alistair Darling, afirma que a economia da Grã-Bretanha enfrenta sua pior crise dos últimos 60 anos.


Crise no topo


Em setembro de 2008, a crise imobiliária atinge seu ápice. Isso porque neste mês, os americanos assistiriam à nacionalização das duas gigantes do setor de hipotecas, além da quebra do quarto maior banco de investimentos dos EUA. Ações mais eficientes e rápidas são tomadas para evitar a falência de mais bancos, hipotecárias e seguradoras. O mercado econômico, já em colapso, sofre efeitos ainda mais desastrosos.

A ajuda financeira que a Fannie Mae e Freddie Mac haviam recebido não foi suficiente e o governo assume o controle das empresas. A quebra da confiança, o aumento das incertezas e a polêmica sobre a intervenção do estado no socorro financeiro ao setor privado aumentam a tensão em torno da situação econômica do país.

Oito dias depois, o anúncio de falência do Lehman Brothers (quarto maior banco de investimentos dos EUA), derruba toda Wall Street e congela o mercado financeiro.

O Lehman era considerado um dos maiores operadores de empréstimos de Wall Street e havia investido fortemente nos títulos ligados ao mercado subprime. Como esses investimentos eram de risco, os economistas já esperavam que houvesse uma perda de confiança em relação ao banco. E foi o que aconteceu. A falta de segurança desse tipo de investimento provocou a queda no valor das ações da empresa. Entre maio e julho de 2008, as perdas registradas atingiram 3,9 bilhões de dólares e o banco anunciou o maior prejuízo líquido de sua história.

Ninguém era correntista no Lehman, este era um banco de investimentos. Porém, muitos outros bancos e fundos de pensão mantinham negócios com a instituição e desatar essas relações levaria tempo. Dessa forma, esses outros bancos teriam que regular a liberação de recursos, à medida que não sabiam exatamente o quanto estavam expostos ao gigante americano.

Na época da falência, o Tesouro americano estudou ações para evitar a quebra do Lehman Brothers. Houve uma tentativa de vender as ações do banco, que não estavam atreladas aos investimentos imobiliários de risco, ao banco britânico Barclays. Os chamados "títulos podres" seriam assumidos pelas demais instituições financeiras que ainda sobreviviam nos EUA. A ação é vetada, pois levaria o mínimo de um mês para uma avaliação mais precisa dos riscos que o banco estaria correndo.

Como o plano não dá certo e o tesouro se nega a prestar outra ajuda financeira (como havia feito com o Bear Stearns, Fannie Mae e Freddie Mac), o clima de preocupação dos bancos dos outros países que mantinham relações com o Lehman é intensificado. Autoridades de todo o mundo cobrariam uma posição dos EUA no controle financeiro.

A situação não poderia piorar, mas outra empresa dava sinais de risco de falência. A maior seguradora do país, AIG (American International Group), registrava uma perda líquida de 18 bilhões de dólares entre janeiro e agosto de 2008. A empresa precisava levantar dinheiro para honrar seus compromissos com os investidores.

A AIG tem atividades diversificadas, como no ramo de locações e vendas de aviões, empréstimos imobiliários e empréstimos ao consumo. Os efeitos de uma falência seriam tão desastroso quanto os do Lehman Brothers e o governo não poderia deixar que mais uma empresa quebrasse. No dia 16 de setembro, o Fed libera então 85 bilhões de dólares e assume quase 80% das ações da seguradora e o gerenciamento dos negócios.

Entre o Bear Stearns, o Lehman e a AIG, 35 mil empregos desaparecem nos EUA. No mundo, grandes bancos passam por processos semelhantes de nacionalização: Fortis Bank é socorrido pela Bélgica em parceria com Holanda e Luxemburgo; Bradford & Bingley da Grã Bretanha e o Glitinir da Islândia.

Cabe ao Secretário do Tesouro Americano, Henry Paulson, e seus conselheiros como Timothy Geithner, diretor da divisão do Federal Reserve em Nova York, desenvolver um plano que evitasse perdas maiores e devolvesse a liquidez ao mercado. (O Fed possui 12 divisões regionais).

Em paralelo, os próprios bancos tentam vender parte de suas ações para grupos estrangeiros e apelam até para milionários americanos. O Goldman Sachs recebe ajuda financeira de Warren Buffet, um dos investidores mais bem sucedidos e eleito o terceiro homem mais rico do mundo em 2010.

Geithner trabalha na tentativa de fundir bancos comerciais aos de investimentos para que estes pudessem utilizar dinheiros de depósitos. Enquanto isso, Henry Paulson levaria ao congresso um plano que pedia 700 bilhões de dólares em ajuda financeira.

O objetivo deste pacote era comprar os “ativos podres” dos bancos, tirando-os das mãos das empresas. Com isso, a situação financeira iria melhorar, diminuindo o risco de falência e aumentando a disposição do crédito.

A polêmica sobre o pacote envolve a discussão da intervenção do Estado na economia, através do socorro financeiro às empresas privadas. Tanto democratas, quanto republicanos levariam um tempo para chegar ao acordo.

Existia um consenso sobre a necessidade. George Bush (na época o presidente dos EUA) discursou na Casa Branca afirmando que sem o pacote de ajuda, o país poderia entrar em recessão e o custo para a população seria ainda maior. A crise afetava o mercado de crédito em todo o mundo e se novas empresas falissem, aumentaria o impacto negativo no valor das ações de muitas outras companhias. Porém, o plano era baseado numa expectativa de que os títulos comprados voltassem a ter valor em longo prazo. Assim, não havia certezas do que poderia acontecer. Os bancos venderiam títulos ao Tesouro e receberiam pelo dobro de seus valores em dinheiro. A estratégia representava uma grande injeção de capital pela qual os contribuintes americanos não receberiam nada em troca.

No dia 3 de outubro, depois de muitas discussões, o pacote é finalmente aprovado. O Tesouro compra ações dos bancos de investimentos, descongelando o crédito e devolvendo o sentimento de confiança. Isso não significava uma nacionalização, a compra de ações não teria direito a voto nos conselhos bancários.

O pacote foi o ponto de partida para que a economia pudesse se restabelecer. Ainda no fim de 2008 e início de 2009, conseqüências da crise apareciam no mundo.

Uma recessão é caracterizada por quedas no Produto Interno Bruto (PIB) durante dois trimestres consecutivos. Essas perdas aprecem em grandes economias mundiais:

No dia 13 de novembro de 2008, a Alemanha anuncia que entrou em recessão pela primeira vez desde 2003. O país era a quarta maior economia mundial. Quatro dias depois, o mesmo acontece com a segunda maior economia, o Japão - o país não entrava em recessão há sete anos.

Em 23 de janeiro de 2009, a sexta maior economia, Grã-Bretanha, também anuncia que enfrenta sua primeira recessão desde 1991.

Crise em decadência


O furacão da crise já havia devastado boa parte do mundo quando seus ventos começaram a se acalmar, em meados de 2009. Ainda haveria refrações de sérias conseqüências, como o aumento do desemprego nos Estados Unidos, que chegou a atingir 10% das famílias norteamericanas, que também perderam suas casas graças aos valores hipotecários. Reflexo dos poucos empréstimos autorizados pelos bancos, que mesmo após o plano de injeção de capital aprovado pelo país, ainda dificultavam o acesso ao dinheiro, o que não sustentaria a crescente queda do mercado.

Foi a partir do primeiro semestre daquele ano, quando a retração do PIB chegou a 5,7%, que os mercados começaram – muito lentamente – a se estabilizar, de forma que a tendência era a reversão da depressão mundial. Ironicamente, o crescimento da economia a partir do consumo também seria de 5,7% até o final de 2009, número que surpreendeu os especialistas. Pelo lado negativo, o resultado total do PIB apresentou uma queda de 2,4%, pior resultado desde 1946, um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Os bancos aproveitaram a guinada e começaram a devolver o dinheiro injetado. Os sinais de recuperação aparecem – ainda que timidamente – em países como o Japão, cujo PIB salta 1,1% até o fim de 2009. O crescimento de 0,3% indica o fim da recessão na França e na Alemanha. A China, que se manteve estável desde o começo da crise, apresenta os melhores números: 7,9% de crescimento no segundo semestre daquele ano. Países como o México e a Rússia ainda sofrem com a queda de mais de 10% na evolução de seu PIB.

A injeção de capital elevou a confiança nos bancos e, em 2010, a compensação em Wall Street atingiu o recorde em 135 bilhões de dólares. Dez bancos passam a concentrar 77% de todos os ativos bancários americanos, de acordo com economistas em matérias publicadas pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.


“Marola” brasileira?


Se os problemas da crise financeira já diminuíam lá fora, aqui no Brasil há quem jure que a recessão nem deu as caras. Fato é que os efeitos imediatos não foram tão assustadores em solo tupiniquim, quanto os danos causados nos EUA. Os especuladores estrangeiros venderam aos montes suas ações, uma tentativa de angariar fundos para reparar as perdas nos países de origem. Com isso, as cotações acionárias caíram na bolsa de valores e o dólar subiu.

No entanto, o principal efeito da crise no Brasil foi a diminuição do crédito. Por se tratar de uma chamada “crise de confiança”, a recessão levou os bancos a dificultar o empréstimo tanto para as grandes empresas, que dependem de financiamento externo, quanto para a pessoa física.

Como medida de emergência, o Banco Central anunciou mudanças nos depósitos compulsórios das instituições financeiras para controlar a quantidade de dinheiro que circulava na economia nacional, disponibilizando créditos pré-arrecadados para que os bancos tivessem dinheiro para emprestar aos seus clientes (explicação disponibilizada pelo site de economia GuiaDoDinheiro.com).

Mais que os problemas econômicos, os efeitos da crise financeira mundial de 2008, no Brasil, foram muito mais de abrangência política. Enquanto alguns economistas afirmam que o país pôde resistir melhor a esta recessão do que aconteceu com as anteriores graças às mudanças econômicas realizadas durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (com as metas de inflação, valorização da moeda nacional, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante), outros especialistas preferem defender a tese de que as variadas formas de políticas já lulistas (como a distribuição de renda, investimentos públicos, diminuição da pobreza com a emersão de uma classe social que agora possui poder de compra, com a valorização do mercado interno, além da geração de empregos), é que defenderam o Brasil de maiores danos durante a recessão mundial.

Não se sabe se foi por acreditar nisso ou se foi para acalmar a população, mas o presidente Lula chegou a comparar os efeitos da crise mundial no Brasil com uma marola, aquela pequena ondulação no mar que não assusta nem às criancinhas que brincam à beira da praia, e foi largamente criticado. Lula utilizou os mesmos argumentos já citados para defender a idéia de que o Brasil estava menos suscetível à recessão, mas os críticos afirmaram que as medidas governamentais eram simplistas, e que o presidente estava varrendo só por onde o padre passa.


O ateu profeta: Karl Marx estava certo


Após todas as conseqüências da recessão mundial de 2008 e com a ascensão posterior de uma nova crise, um fator essencial foi percebido como característica intrigante: a intervenção direta do Estado para salvar os mercados. Como este fator contradiz um dos princípios básicos do sistema capitalista, o de liberdade total, auto-regulação e autonomia plena dos mercados, o “salvamento” da economia pelos órgãos estatais apontou uma grande contradição. No entanto, esta contradição não é nenhuma novidade. O fenômeno já foi alertado – alguns diriam “profetizado” – pelo filósofo Karl Marx, o pai do comunismo, há pelo menos 160 anos.

O discurso do presidente Lula na abertura da reunião do G20, em 2008, demonstra a opinião de especialistas que estudam a obra de Marx. Lula criticou a forma supostamente autônoma dos mercados e reafirmou a força do Estado na economia. “Ela (a crise) é conseqüência da crença cega na capacidade de auto-regulação dos mercados e, em grande medida, na falta de controle sobre as atividades de agentes financeiros. Por muitos anos, especuladores tiveram lucros excessivos, investindo o dinheiro que não tinham em negócios mirabolantes. Todos estamos pagando por essa aventura. Esse sistema ruiu como um castelo de cartas e com ele veio abaixo a fé dogmática no princípio da não intervenção do Estado na economia. Muitos dos que antes abominavam um maior papel do Estado na economia passaram a pedir desesperadamente sua ajuda”.

No “Manifesto do Partido Comunista” (1848), a principal obra de Karl Marx, escrita em parceria com o companheiro Friedrich Engels, o filósofo explica as crises como o colapso do capitalismo, justamente baseado em “uma sociedade que liberou tão formidáveis meios de produção e troca”, que é “como a feiticeira incapaz de controlar os poderes ocultos desencadeados por seu feitiço”. Marx afirmou que a necessidade de intervenção do Estado contradiz o capitalismo, e é o caminho preferível para o comunismo. A mistura do público com o privado, tão comum hoje, é uma das provas de que o sistema capitalista tal qual é administrado e defendido há pelo menos 30 anos (com a idéia de Estado Mínimo, onde a participação do Estado é ínfima, para aumentar o poder do mercado), é prova contundente de que o capitalismo está falido.

De acordo com o doutor em História Econômica e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), João Antônio de Paula, um dos maiores especialistas brasileiros na obra de Karl Marx, a teoria do filósofo nunca foi tão atual. João Antônio explica, em entrevista concedida ao site Vermelho.Org, que enquanto o capitalismo existir, o marxismo será indispensável para entendê-lo. Quando Marx escreveu suas teorias no século XIX elas eram apenas possibilidades. Mas a ideia de que o capitalismo seria um sistema mundial se confirmou, assim como os ciclos de desenvolvimento e crise. Por isso, sua teoria é mais atual hoje do que quando ele era vivo", diz o historiador.

E não são apenas os especialistas comunistas que afirmam que Marx estava certo. O filósofo político John Gray, capitalista convicto, escreveu um artigo para a BBC Brasil afirmando que “Karl Marx podia estar errado quanto ao comunismo, mas estava certo a respeito de muitos aspectos do capitalismo”. O professor de economia da Universidade de Nova York, Nouriel Roubini, foi além, e entrevista para o The Wall Street Journal, repercutida por diversos veículos, como o The International Business Time: “A não ser que haja outra etapa de massivo incentivo fiscal ou uma reestruturação da dívida universal, o capitalismo continuará a experimentar uma crise, dado o seu defeito sistêmico identificado primeiramente por Karl Marx há mais de um século”.

Ainda que Marx não estivesse certo em suas afirmações, tanto os especialistas marxistas quanto alguns dos capitalistas afirmam que o sistema capitalista tem dado demonstrações cíclicas e constantes de sua ineficiência de autogestão através das relações de livre mercado. Eles apontam ainda que a crise mundial de 2008 e a atual recessão serviram também para mostrar a necessidade de intervenção do Estado quando a situação aperta para o lado dos mercados, para que este não se autodestrua. E, como finaliza o capitalista John Gray em seu artigo, “[...] não foi o comunismo que conseguiu esta proeza. Foi o próprio capitalismo que eliminou a burguesia”.