quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Erótico.

Espero poder ver o modo como as maçãs de teu rosto coram, levemente avermelhadas. Sentir o gosto de sua pele e misturar o meu e o teu suor. Inalar o perfume dos teus cabelos, enquanto eles se envolvem em minha barba por fazer. Encontrar alguns perdidos em minhas roupas, tempos depois de nos despedirmos. Perceber sua respiração se alterando e o modo como teu corpo se movimenta, de acordo com a aceleração de teus batimentos cardíacos. Te prometer e te cumprir entrega total. Dividir os fluídos recentes, e saber que o toque de tua pele causa descarga elétrica e euforia. Quero ser como flor e terra, como onda e areia. Tremer de descontrole. Quero dividir um cigarro e brincar com a fumaça, na posterioridade. Abraçar e dormir, quando todas as entregas já foram depositadas nos lençóis embaraçados da mútua respiração cortante. Quero ser erótico e erotizar os pensamentos que caminham em minhas veias quando me vejo prestes a ser teu senhor e servo. É quando não sou teu e nem és minha. É quando somos um.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

As outras Augustas


Por Guilherme Peace e Lívia Nunes

Há uma variedade muito grande de garotas-de-programa na Rua Augusta. Elas podem ser encontradas nas calçadas, nos bares, nos estabelecimentos “especializados”. Em sua maior parte, são garotas e mulheres comuns, com idades entre 18 e 40 anos, bem aparentadas e de fácil acesso. Porém, entender o motivo da escolha destas meninas pela “profissão”, requer mais do que as simples entrevistas que fizemos, buscando compreender um lado mais “humanista” das prostitutas da Rua Augusta.

Conversamos com muitas garotas de programa, em seu ambiente de trabalho, e apenas trazemos aqui uma ínfima parte, curiosa, talvez, de seu interior.

Nomes falsos, roupas vulgares, atitudes extravagantes, drogas e sensualidades forçadas. Vários são os artifícios utilizados pelas “Augustas” (como as chamaremos) para encarar a vida que escolheram, a forma mais “fácil” de conseguir o dinheiro para satisfazerem as necessidades básicas e as supérfluas. Há uma encenação natural, paulatinamente crescente, que as garotas usam para esconder a tristeza (ou o descaso, como em uma das meninas que encontramos) que as assolam o tempo todo. Elas entendem o papel que fazem, de desejo proibido, comprado, e utilizam destas ferramentas para continuarem em sua atuação.

É tudo ensaiado”, diz Teca, uma das garotas-de-programa da rua Augusta. “Os homens gostam de ser enganados”. A garota de vinte e um anos diz que trabalha para construir uma casa. “Uma amiga trabalhou por dois ou três anos e conseguiu construir uma casinha até que boa. Terminarei a minha e aí sim, largarei esta vida.” Não é como pensa a maioria delas, pelo que constatamos.

Madá, 19, diz que gosta da noite. “É dinheiro fácil e ‘grosso’, apenas tendo que abrir as pernas. A maioria das meninas trabalha porque gosta”. Apesar disso, ela explica, ainda sonha encontrar um amor na noite. “Sei que é um sonho imbecil, mas já aconteceu antes, e sei que pode acontecer comigo”.

Outra “Augusta”, que preferiu não se identificar, resolveu contar sobre os bastidores da profissão que deixou de exercer há sete anos. Hoje, com 42, ela é instrumentadora cirúrgica - curso que pagou com o dinheiro da prostituição - faz apenas programas esporádicos, uma vez por mês no máximo, e conta: “A maioria de nós preza a amizade. Nos defendemos. Somos amigas, em nosso meio. Muitas garotas vem de outras cidades, por isso alugam casas juntas, ou moram no próprio prostíbulo. São mentirosas, quando falam com o cliente, ou com jornalistas. Gostam de dizer que estão pagando a faculdade, ou uma casa, ou que é um serviço passageiro, apenas para ganhar uns trocados. Mas acabam se viciando no dinheiro fácil e na vida à noite. Várias delas acabam se viciando em cocaína ou outras drogas, e precisam manter seu vício. O dinheiro dos programas é a única forma que encontram, já que não querem, ou não sabem, trabalhar em nenhuma outra profissão”. Ela deixa escapar que tem um filho de 21 anos, e perguntamos qual seria sua reação se o visse entrando em um dos prostíbulos em que trabalha ou trabalhou. Visivelmente alterada, ela tenta contornar: “Meu filho não freqüenta estes lugares. Não acho que seja lugar para ele”.

Talvez o caso mais chocante que encontramos entre estas garotas da noite, tenha sido o de Júlia. Com dezoito anos e grávida de oito meses, a moça respondeu laconicamente às nossas perguntas, pois estava altamente drogada. Ela apenas sorria e balançava a cabeça, enquanto uma colega de profissão explicava: “Ela nunca pensou e nem pensa em estudar. Tem um namorado que sabe da profissão dela, e abusa muito, pedindo dinheiro. Eles se drogam juntos, com ‘pó’, maconha e outras coisas ‘sintéticas’. Mora muito longe, mas vem todos os dias, mesmo estando grávida. É nossa ‘xodózinha’. Apesar da barriga, consegue muitos programas por noite. Tem homens que gostam de coisas assim, diferentes. Talvez sejam fetiches...”

Elas nos dispensam para poderem atender aos clientes. A responsável pela casa de prostituição, a “cafetina”, as chama ao serviço, batendo palmas: “Vamos trabalhar, tem cliente na casa!”. Antes de sairmos, porém, descobrimos que o dono do local tem mais cinco ou seis estabelecimentos do gênero, apenas na Rua Augusta, mas só aparece às vezes, de dois em dois meses, para vistoriar os lucros. Nenhum envolvimento com as suas “funcionárias”.

Assim, nos despedimos, agradecendo a atenção que nos foi dedicada pelas meninas. E mais uma noite de trabalho começa, mais uma noite de encenação e de prostituição para as nossas “Augustas”.