quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sobressaltos

É um sobressalto a cada barulho, a cada instante, a cada palavra, a cada murmúrio.
É um sobressalto sobressalente, menos um compasso na batida, mais um compasso ofegante.
É um sobressalto constante, que causa euforia, expele dúvidas, traz pensamentos e leva a calmaria.
É um sobressalto repetitivo, perdendo ou ganhando, ambíguo e antagônico.
É um sobressalto que cansa, que anima, que chora, que comemora, que deixa os cabelos brancos e o sangue mais ralo.
É um sobressalto lascivo, estéril, monolítico, poderio, latente, catequético, dogmatizado, especialmente narrado e visivelmente neutralizado.
É um sobressalto de espera, de negação, de recusa, de tantas outras coisas mais.
É um sobressalto que tira um compasso na batida do coração.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Tá bom.

Marcelo Camelo, para mim:

Senta aqui que hoje eu quero te falar
Não tem mistério, não
É só teu coração
Que não te deixa amar
Você precisa reagir
Não se entregar assim
Como quem nada quer
Não há mulher, irmão, que goste desta vida
Ela não quer viver as coisas por você
Me diz, cadê você ai?
E ai, não há sequer um par pra dividir

Senta aqui, espera que eu não terminei
Pra onde é que você foi
Que eu não te vejo mais?
Não há ninguém capaz
De ser isso que você quer
Vencer a luta vã
E ser o campeão
Pois se é no "não" que se descobre de verdade
O que te sobra além das coisas casuais
Me diz se assim está em paz?
Achando que sofrer é amar demais



Eu, para Marcelo Camelo:

Veja só, irmão: há.

Como é que se diz...?

Terá medo. Primeiro você respira fundo. Se prepara. Para estar neste nível, já deve ter refletido muito sobre o assunto. Se não, aproveite estes segundos. Enrole, rodeie, procure parecer displicente. Fale como se não fosse falar isso. Ou então, fale de maneira a "preparar o terreno". Então, chega um momento em que não dá mais para enrolar. Tente de duas formas: direto, ou circular.
O importante é que, no fim, você ficará tão leve... Ou com mais medo que antes.


sábado, 24 de outubro de 2009

Um conselho

- Não é bem assim. Todas as tentativas continuam sendo vãs. Você mal sabe dizer o que está pensando ou sentindo - disse o homem com os óculos meia-taça. Enzo se endireitou no sofá, esticando o braço para pegar mais um cigarro.
- E quem é você para falar de mim? Você nunca soube o que é ter um par. Nunca soube o que é experimentar a sensação de que está incompleto. - e, levando o cigarro à boca, acendeu-o, tragando devagar. O homem de óculos franziu a testa, procurando uma justificativa.
- Quem sabe se você não fizesse tudo isso outra vez? Quem sabe se você apenas deixasse como está. Você não precisa mais disso. Não precisava antes, e não vai precisar agora.
- Você não sabe o que está dizendo! - exclamou Enzo, enquanto soltava a fumaça. Fez uma breve pausa para tragar novamente e continuou:
- Era o que eu queria. Era como eu queria. Só vim perguntar se a forma como ajo é errada, não a situação em si.
O homem de óculos suspirou. Encostou-se à parede, com as mãos nos bolsos.
- De forma alguma eu saberei. A esperança é vaga. O medo é latente. A constância é vã. Não há uma fórmula, garoto Enzo, para entender o amor. O amor em sua mais simples demonstração. Você não deve querê-lo. Deve fugir, se esconder. Sem se deixar amar, você não sofre. Não sofre pela ausência, não sofre pela recusa, não sofre pelo desentendimento, não sofre pelo ciúmes. O amor enfraquece, empobrece. Se não amasse, você não sofreria. Poupe o seu coração, já tão ferido e condicionado. Não ame. Fuja.
- E viver como você? - perguntou Enzo, batendo as cinzas do cigarro no cinzeiro - Amargo? Frio?
- Feliz. - sorriu o homem de óculos - Eu nunca sofri. A ausência do sofrimento só pode ser a felicidade.
- Mas você também nunca sentiu a euforia - retrucou o rapaz - Você não sabe o que é plenitude.
- Eu não preciso - disse o homem - Eu sou pleno comigo. Sou uno. Não há nada em outras pessoas que eu não possa ter, por mim. É claro, há o prazer carnal. Mas, para tê-lo, não preciso sofrer. E amar é sofrer.
- Eu sei. Eu amo e sofro. - finalizou Enzo, apagando o cigarro quase inteiro no fundo do cinzeiro.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Análise: Dialética quanto à Dialética da Solidão de Octavio Paz



Apresentar as idéias sobre a dialética da solidão, como fez Octavio Paz em seu texto homônimo, é de pura intensidade filosófica, quem sabe até sociológica. O autor traz sua idéia de forma clara e concisa, facilitando o entendimento e abrindo um leque de questionamentos e reflexões, que com certeza podem instigar-nos para um novo estudo, talvez até mais aprofundado em uma das várias situações que Octavio Paz nos mostra.
Quando o autor trata do assunto de forma geral e ao mesmo tempo especificada, entendemos que o que ele quer mostrar é que a solidão é uma condição natural do ser humano: ele faz com que o outro se perceba, para o bem ou para o mal, que saia da indiferença. Assim, há um aumento da percepção quanto ao outro. Isso se torna claro já no primeiro parágrafo, em que Octavio Paz diz:

A solidão é a profundeza última da condição humana. O homem é o único ser que se sente só e que busca o outro. Sua natureza – se é que podemos nos falar em natureza para nos referirmos ao homem, exatamente o ser que inventou a si mesmo quando disse “não” à natureza – consiste num aspirar a se realizar no outro. (PAZ,2006 p. 175.)

Para comprovar o que foi dito, Octavio Paz uma ilustração: usa o nascimento como rompimento e tomada de consciência da solidão. Por esse motivo, na solidão buscamos relembrar a fase anterior ao nascimento, na posição fetal, tentando nos proteger. Mas não há nada que possamos fazer, já que “estamos condenados a viver sozinhos”, de acordo com Paz.
Desta maneira, nem o amor em si se consistiria em uma fuga ao destino fadado de solidão. Ora, a solidão é a condição permanente do homem. Apesar disto, para o autor, continuamos a pedir ao amor que nos uma, que nos liberte da solidão, mesmo que por um instante.
Ao tomar esta concepção, Octavio Paz passa a uma discussão a cerca do amor. O autor explica que o amor é uma experiência a qual toda a condição social se opõe. Se voltando mais para a visão masculina, ele diz que a mulher é subjugada, sendo um objeto do desejo amoroso masculino. A imagem é criada pelo homem e aceita pela mulher, que não consegue se esquivar. Porém, há uma quebra destas concepções na imagem da mulher que luta pelo amor. Para isso, para a realização do amor em plenitude, há total necessidade de quebra dos valores – os valores sociais e das concepções cristãs de pecado. Então, a mulher que rompe com os valores para poder amar livremente, muda, mas muda em si, por que se sujeitou a uma ruptura consigo mesma.
O homem, por sua vez, não está livre do controle de valores do mundo. Ele também precisa “fugir”, quebrantar valores, para poder amar. Mas estes valores, contra os quais o homem luta, são os sociais no geral. Não fazendo isso, o homem se sujeita a desposar uma mulher que não ama, apenas por que a sociedade diz que lhe convém.
Neste ponto, Octavio Paz passa a uma discussão sobre o casamento. O casamento é visto pelo autor como algo dissociado do amor, uma afronta à natureza deste sentimento. Além disso, o casamento seria uma forma de condução da sociedade, uma imposição ao homem. O conservadorismo social do casamento iria contra o rompimento, que é a essência do amor.
Desta forma, a proteção do casamento implicaria em um controle e expansão da promiscuidade, já que a sociedade traz tolerância à traição de forma latente. Se não existisse o casamento, para Octavio Paz, não existiriam divórcios, nem prostituição, nem traição, ou qualquer outro relacionado. A única condição seria amar livremente. Mas isso não acontece, o que torna o amor anti-social, dificultado. Assim, negando a natureza, existem as conseqüências.

Fecham-se assim as vias de acesso à experiência mais profunda que a vida oferece ao homem e que consiste em penetrar na realidade como numa totalidade em que os contrários compactuam. Os novos poderes abolem a solidão por decreto. E com ela o amor, forma clandestina e heróica da comunhão. Defender o amor sempre foi uma atividade anti-social e perigosa. [...] Nossa vida social sempre nega qualquer possibilidade de uma autêntica comunhão erótica. (PAZ, 2006. p181-182)

Mas, ainda segundo o autor, o amor não é a única forma de escapar da solidão humana, apesar de ser o mais claro exemplo desta busca. Ele passa então a uma análise da vida do homem em sua completude, mostrando que as rupturas ocorrem várias vezes pelo período da vivência humana. A começar pela infância.
Na infância, o homem busca se ligar aos brinquedos e à afetividade, já que foi separada de sua condição de existência anterior, onde não havia solidão. A criança cria o próprio mundo, dando vida a objetos, para tentar sair de si mesma e buscar aquilo que a completava, mas não sabe o que é e nem como se separou.
Na adolescência, ele rompe de vez com este mundo criado, e novamente se vê sozinho, pois há de se preparar para a fase adulta. É nesta fase que o homem se torna consciente da solidão em que existe. A vida passa a ser uma busca, a busca eterna da plenitude com o outro.
Por fim, a maturidade chega e o homem se esquece desta busca. Isso porque se vê atarefado, e na verdade se esquece de si, perde a consciência. Com isso, se torna novamente solitário. Não se entrega de verdade a nada do que faz, não tem mais motivo de existência, pois a existência humana é baseada na busca pela completude.
Tendo tomado as concepções da solidão e da busca humana pela união ao outro, Octavio Paz explica que esta tem o duplo significado: “ruptura com um mundo e tentativa de criar outro” (2006 p184).
Por ser uma condição humana, todos os povos estariam sujeitos a esta dialética. Analisando desde o homem primitivo, com sua necessidade e até regra de união do grupo, afastando aquele que é solitário, como representação de perigo para o todo, Paz mostra como “o desamparo e o abandono”, por suas próprias palavras (p186), “se manifestam como uma consciência do pecado. Solidão e pecado se identificam”.
Disso até a sociedade atual, a mudança é que o homem passou a ser solitário abertamente. A comparação é que a sociedade agora provém do ser solitário, com o engajamento a uma suposta proteção, vinda das relações sociais. As relações são sobrepostas, e o homem busca mistificá-las, procurando em mitos aquilo que se perdeu com o advento das novas concepções sociais. O centro do universo – que é o si em propriedade – se perdeu, e por isso há uma busca eterna, mistificada em várias analogias, propostas por Octavio Paz.
O autor encaixa este tema no tempo e nos atributos a ele emprestados.

O homem, arrancado desta eternidade na qual todos os tempos são um, caiu no tempo cronométrico e se transformou em prisioneiro do relógio, do calendário e da sucessão. [...] o tempo cronométrico é uma sucessão homogênea e vazia de qualquer particularidade. Sempre igual a si mesmo, desdenhoso do prazer ou da dor, apenas transcorre. (PAZ, 2006 p189)


Em contraponto, há o tempo mítico, que para o autor, é um momento em particular em que o tempo não é mais sucessivo, é uma eternidade cristalizada. Exemplo disto seria o Feriado, onde há uma reprodução de um momento em particular, que passa a re-existir pelo breve espaço de tempo em que se decorre. Seria mais uma ruptura na concepção generalizada. Portanto, o tempo cronométrico seria apenas uma forma de tentar esconder o que está intrínseco: que o mito não será racionalizado, quanto menos destituído. O homem e a sociedade criaram novos mitos, que seguem racionalmente sem perceberem que só estão tentando voltar ao que eram, que estão tentando criar novas rupturas, encontrar-se com eles próprios. “Solidão e pecado se resolvem em comunhão e fertilidade. A sociedade que hoje vivemos também concebeu o seu mito.” (PAZ, 2006 p191).
- Guilherme Peace.