sábado, 24 de outubro de 2009

Um conselho

- Não é bem assim. Todas as tentativas continuam sendo vãs. Você mal sabe dizer o que está pensando ou sentindo - disse o homem com os óculos meia-taça. Enzo se endireitou no sofá, esticando o braço para pegar mais um cigarro.
- E quem é você para falar de mim? Você nunca soube o que é ter um par. Nunca soube o que é experimentar a sensação de que está incompleto. - e, levando o cigarro à boca, acendeu-o, tragando devagar. O homem de óculos franziu a testa, procurando uma justificativa.
- Quem sabe se você não fizesse tudo isso outra vez? Quem sabe se você apenas deixasse como está. Você não precisa mais disso. Não precisava antes, e não vai precisar agora.
- Você não sabe o que está dizendo! - exclamou Enzo, enquanto soltava a fumaça. Fez uma breve pausa para tragar novamente e continuou:
- Era o que eu queria. Era como eu queria. Só vim perguntar se a forma como ajo é errada, não a situação em si.
O homem de óculos suspirou. Encostou-se à parede, com as mãos nos bolsos.
- De forma alguma eu saberei. A esperança é vaga. O medo é latente. A constância é vã. Não há uma fórmula, garoto Enzo, para entender o amor. O amor em sua mais simples demonstração. Você não deve querê-lo. Deve fugir, se esconder. Sem se deixar amar, você não sofre. Não sofre pela ausência, não sofre pela recusa, não sofre pelo desentendimento, não sofre pelo ciúmes. O amor enfraquece, empobrece. Se não amasse, você não sofreria. Poupe o seu coração, já tão ferido e condicionado. Não ame. Fuja.
- E viver como você? - perguntou Enzo, batendo as cinzas do cigarro no cinzeiro - Amargo? Frio?
- Feliz. - sorriu o homem de óculos - Eu nunca sofri. A ausência do sofrimento só pode ser a felicidade.
- Mas você também nunca sentiu a euforia - retrucou o rapaz - Você não sabe o que é plenitude.
- Eu não preciso - disse o homem - Eu sou pleno comigo. Sou uno. Não há nada em outras pessoas que eu não possa ter, por mim. É claro, há o prazer carnal. Mas, para tê-lo, não preciso sofrer. E amar é sofrer.
- Eu sei. Eu amo e sofro. - finalizou Enzo, apagando o cigarro quase inteiro no fundo do cinzeiro.

2 comentários:

  1. A comu da Amélie me trouxe aqui... ainda bem! Muito bom seu texto! Vc falou tanto, com tão pouco!

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