terça-feira, 28 de julho de 2009

As Augustas


ATENÇÃO: O Texto a seguir possui palavras de baixo calão, escritas de modo a melhor expressar seu conteúdo.

A prostituição no Brasil envolve aproximadamente 500 mil garotas, de acordo com estudos realizados por ONGs responsáveis por denúncias generalizadas. A Polícia Rodoviária Federal, em balanço realizado em 2006, mapeou cerca de 1222 pontos, apenas de prostituição infantil. Porém, a idade média da prostituta brasileira é entre 18 e 30 anos. Seus clientes têm idade entre 30 e 40 anos, no geral.
A Rua Augusta, em São Paulo, é conhecida pelos bares e baladas, frequentados por pessoas de todas as idades, em especial jovens com estilos considerados "alternativos". Além disso, a Rua Augusta é conhecida pelos diversos pontos de prostituição, com fácil localização por toda a sua extensão. Andando pela rua em qualquer dia da semana, depois das 21 horas, é comum ser abordado por homens de terno preto, muito bem aparentados, que oferecem os "serviços" da casa para as quais trabalham.
O perfil das prostitutas da Rua Augusta é diferente do perfil das protitutas que fazem ponto em esquinas a céu aberto. A maioria das garotas de programa dali são jovens e muito bonitas, por muitas vezes estudantes universitárias que levam a prostituição como modo de sobrevivência mais fácil, com resultados monetários mais rápidos.

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Em um domingo, caminhando pela Rua Augusta com um amigo, fui abordado por um destes homens que ficam tentando atrair os clientes.
- Vem pra cá! - disse ele, me pegando pelo ombro - Aqui tem bucetadas na cara, sem dó nem piedade!
Chocado por tamanha sinceridade, e achando aquilo bastante engraçado (a situação), me desvencilhei e continuei andando. Meu amigo e eu fomos até um certo bar, onde tocam jazz, tomar uma cerveja. O bar estando fechado, resolvemos saciar nossa curiosidade, entrando em uma das casas, apenas para ver o ambiente.
A luz fraca e a música embriagante emprestavam ao local um ar lascivo, quase letárgico, como em um filme cult. No ar, cheiro de cigarros e perfume barato. Um balcão se estendia à direita, onde um homem com idade aparente de 50 anos preparava alguns drinques. O local estava quase vazio, sendo preenchido apenas por dois homens e duas garotas, uma delas dançando em uma barra de ferro, instalada em um canto do bar.
Como não estávamos ali como clientes, meu amigo e eu pedimos duas cervejas e nos sentamos em uma das mesas, apenas observando a moça que dançava. Eu logo bolei um jeito de saciar minha curiosidade quanto à vida destas garotas, me passando por jornalista (com os diplomas cassados, agora todos o somos).
Uma das garotas se aproximou de nossa mesa, assim que seu cliente foi embora.
- Oi - disse ela, com voz sedutora.
- Oi - respondi, tentando parecer displicente.
A garota se sentou ao meu lado, perto demais para me deixar desconcertado. Procurei manter-me impassível. Era a minha chance de saber tudo o que queria. A postura da garota era a de uma fêmea no cio, mas eu sabia que tudo não passava de uma profissional encenação. Para tirar-lhe de uma vez as chances de me atacar, eu disse:
- Sou jornalista e estou aqui para entrevistar algumas meninas, pois estou fazendo uma matéria sobre os vários lados da prostituição, e me seria muito interessante saber como é a vida das garotas que trabalham aqui, o seu dia-a-dia.
Imediatamente a postura da moça mudou: os ombros se descontraíram e todo o ar luxurioso se esvaiu. Agora ela parecia apenas uma mulher cansada, mas despreocupada.
- Você está gravando ou filmando algo?
- Não - respondi prontamente - Apenas vou fazer algumas anotações posteriormente. Por enquanto só temos que conversar. Aliás, não quero atrapalhar seu trabalho, por isso, se quiser, pode ir fazer o que tem que fazer, e depois conversamos.
- Não - ela retrucou - Tudo bem. Não tem nenhum cliente mesmo. Você pode me dar um cigarro?
Enquanto tirava o cigarro do maço e acendia para a garota, percebi que uma outra moça conversava com meu amigo. Resolvi não interromper minha "entrevista", agora que minha entrevistada parecia mais relaxada.
- Como é o esquema por aqui?
- Bem - ela obviamente havia entendido minha pergunta, pois foi direto ao assunto - Nós cobramos 100 reais, no geral. Oitenta do programa e vinte do quarto. Mas podemos cobrar mais caro, se quisermos.
- Sim, é claro. E o que você faz? Digo, além de trabalhar aqui?
- Bom, eu estudo, namoro, tenho uma vida normal. Isso aqui é só o meu trabalho.
Prestei mais atenção à moça. Realmente, o perfil era o de uma universitária como qualquer outra. Era uma garota bonita, dessas que, ao cruzarmos na rua, temos o impulso quase instintivo de olhar, chamar a atenção. Uma garota como qualquer outra garota bonita e inteligente, que tanto eu quanto meu amigo namoraríamos sem nunca imaginar que era, na verdade, uma prostituta. Esse pensamento me preocupou um pouco. Resolvi fingir que não, e continuar a entrevista.
- E o quê te trouxe a trabalhar com isso?
- O jornal - ela disse, sorrindo, os belos dentes muito bem enfileirados e brancos - Ví um anúncio e resolvi me candidatar.
- Sua família sabe disso?
- Não - percebi uma leve contração em seu cenho - Estou morando em São Paulo para estudar, e minha família não imagina, quanto menos o meu namorado. Você não pode me pagar uma bebida?
- Não - respondi - estou apenas trabalhando.
- Certo. É que ganhamos comissão quando os clientes nos pagam bebidas, além de ser quase uma obrigação fazermos com que paguem.
- Entendo. E como são os clientes? Digo, para eles vocês são realizações de fantasias, ou satisfação das vontades. Mas e para vocês? Como vocês os vêem?
- Depende - ela se inclinou, pensando - Na maioria das vezes não quero nem saber o nome. Faço meu trabalho, seduzo, vendo meu peixe, se é que me entende. Mas tem vezes que o cara é legal, então até rola de pedir pra ele voltar e me escolher novamente.
- E quando o cara não é legal?
- Bem, ou eu não aceito o programa, ou cobro bem caro, para que ele não aceite o programa. Mas às vezes não tem como escapar, e temos que trabalhar do mesmo jeito, sendo o cara legal ou não.
- E vocês conseguem tirar um bom lucro?
- Sim, isso sem dúvida. Não faço isso porque gosto. Faço pelo dinheiro. Tem noite que chego a fazer quatorze programas, cada um a cem reais, fora o quarto. Faça as contas, sou ruim em matemática.
- Mil e quatrocentos reais - eu disse, impressionado - É mais do que ganho em um mês.
- Pois é. Isso em uma noite. Mas no geral são cinco ou seis programas por noite.
- E você trabalha todos os dias?
- Eu não! Senão não aguentaria, já estaria acabada. Tenho vinte e quatro anos, já trabalho há três, e ainda pareço ter dezoito.
- Realmente...
- Então. Se eu trabalhasse todas as noites, não estaria tão bonita. Trabalho três ou quatro noites por semana, no máximo.
- E o seu namorado? O quê você faria se o visse entrando aqui?
- Ele não vai a estes lugares. Mas acho que levaria numa boa. É meu trabalho, e se ele não aceita, não posso fazer nada. Na verdade, um ex-namorado certa vez descobriu, e ficou bastante chateado.
Percebi que meu amigo estava incomodado com a prostituta lhe assediando ao meu lado, e resolvi finalizar o assunto.
- Muito obrigado. Só peço que não conte aos seguranças que sou jornalista, ou posso me encrencar.
- Tudo bem. Foi legal falar com você. É bom conversar com pessoas que não nos enxergam como um pedaço de carne. Volte qualquer dia desses, como cliente.
Sorri com a brincadeira e, chamando meu amigo, me levantei e saí.
Ganhamos dos seguranças um bilhete para entrar como clientes VIP em outra casa do mesmo proprietário. Agora estávamos mais animados com nossa audácia, por isso fomos.
A outra casa era maior e mais povoada. Várias garotas andavam pelo lugar, semi-nuas e outras dançavam em um palco com uma barra igual à da casa anterior. Muitas delas eram lindas e jovens, outras não. Novamente nos sentamos, tomando cerveja. Duas garotas se aproximaram.
- Vamos fazer amor? - disse sensualmente uma delas. Meu amigo se engasgou.
- Não, mas pode se sentar - eu disse. Ela se sentou bem junto a mim, a mão alisando minha perna perigosamente. Me controlei com três profundas respirações.
Me apresentei como jornalista novamente, e fiz as mesmas perguntas. Ela também pareceu mais tranquila e deixou de lado aquele ar "profissional", ficando bem mais à vontade. Percebi que, desta vez, meu amigo estava tranquilo. Conseguia conversar normalmente, assim como eu.
Quando falei sobre família e namorado, a garota tomou uma atitude diferente.
- Minha família nem imagina, é claro - ela disse, bebericando uma Coca Cola - Mas meu namorado sabe. Ele encara numa boa.
- Como assim? Ele vê apenas como trabalho?
- Você vê isso como trabalho? - ela me questionou. Sem esperar minha resposta, continuou - Isso não é trabalho. Trabalho é no McDonalds, ou o que você faz. Isso é uma forma de ganhar dinheiro, me fazendo de objeto. Eu dou, e eles pagam. Os clientes não querem saber se eu tenho que pagar aluguel, se eu vou chegar atrasada, se eu vou ficar fazendo hora extra. Não é trabalho.
- Como você vê isso então?
- Dinheiro fácil e rápido. Sujo, mas fácil e rápido. Sou bonita, sou gostosa, e eles procuram exatamente por isso. Tenho que pagar minha faculdade, meu aluguel, estudar para as provas e fazer os trabalhos que os professores pedem. Se eu trabalhasse em um emprego como qualquer outro, não teria tempo pra tudo. Além disso, ajudo minha mãe. Ela acha que estou em um call center qualquer, coitada. Mas eu não me arrependo não.
- E seu namorado não tem ciúmes?
- Mais ou menos. Ele sabe o que eu faço, mas não preciso entrar em detalhes. Ele chega, fala como foi o dia dele e eu falo como foi o meu. Digo apenas: "foi bom, tive tantos clientes" ou "foi ruim, muito parado". O que importa é a grana.
Refleti sobre aquilo, achando dificílimo de aceitar.
- E você conversa com suas amigas aqui? - perguntei, resolvendo mudar o rumo da conversa.
- Só tenho uma amiga aqui, a grunge.
Sorri com a menção da palavra, entendendo que aquelas garotas eram garotas como qualquer outra, com preferências e estilos definidos por suas personalidades.
- Ah, ela é grunge?
- Sim, ela tocava contra-baixo em uma banda.
A garota que conversava com meu amigo se virou, me cumprimentando. Meu amigo também é baixista, o que rendeu uma conversa entre os dois. A garota com quem eu conversava continuou:
- A gente conversa às vezes, quando acontece alguma coisa engraçada. Teve uma vez que o cara chegou aqui, todo fortão, pagando uma de gostosão. Sempre que entra um cara bombadinho aqui a gente já ri. Geralmente eles têm o pau pequeno, mas se acham.
Eu ri com a revelação. Ela continuou.
- Daí esse cara já veio direto em mim. "Quero ir com duas", ele disse. Chamei minha amiga e subimos para o quarto. O cara não me decepcionou. Realmente tinha o peru minúsculo. Como o tempo máximo do nosso programa é de trinta minutos, resolvi sacanear. Disse a ele que só transaria de pé, pois só assim gozava. Ele, se achando o rei da pica, aceitou. Fiquei em pé, de costas pra ele, e ele colocou o pau no meio das minhas pernas. Não houve penetração, ele apenas gozou nas minhas coxas, que eu mantive apertadas. E ainda veio me perguntar: "Gozou quantas vezes, gata?" Eu ri demais. Ele nem aguentou ir com minha amiga. Trouxa...
Me senti um pouco desconfortável ao ver uma garota como aquela, uma garota que eu facilmente me envolveria em circunstâncias diferentes, se não soubesse o que ela fazia, falando daquele jeito. Mas a história lhe era engraçada, por isso resolvi sorrir para não perder a "entrevista". Ela continuou, consultando a amiga de vez em quando, buscando aprovação:
- É, mas quando vem um do pau grosso aqui a gente passa mal, não é? Teve uma vez que eu fui embora que nem conseguia andar! Eu sentei no cara e minhas costas estalaram, meu quadril abriu, parecia que eu estava parindo!
Eu tive que pôr a mão na frente da boca para não espirrar cerveja para todos os lados, devido à crise de risos que me acometeu.
- Pois é, aqui é assim. Eu transo, transo, transo a noite inteira, daí chego em casa e faço amor com meu namorado. Lá eu me entrego de verdade, e ele nem é tão bom de cama assim. Mas com ele é amor. Aqui é só sexo, sem nenhum envolvimento ou diversão de minha parte. tem vezes que entra um cara aqui, e eu acho ele legal, faço amizade. Quando isso acontece, eu nem subo com ele, mesmo que ele queira. Por que aí sim eu estaria traindo meu namorado. Haveria envolvimento.
- E se alguém que conhece o seu namorado entrar aqui? - eu perguntei.
- Já aconteceu. Dois amigos dele entraram aqui, me viram, ficaram chocados, mas ainda assim queriam que eu fizesse o programa com eles. Eu neguei, é claro. Quando cheguei em casa contei tudo para o meu namorado. Dias depois, os dois "amigos" foram falar com ele. Contaram que haviam me visto numa casa de prostituição. Ele disse "eu sei, ela me contou". Os dois ficaram loucos. Meu namorado, com toda a classe que possui, disse: "E vocês, da próxima vez, saiam com ela. Ela vai cobrar bem caro, e depois nós dois vamos torrar o dinheiro que idiotas como vocês pagam pra ter o que eu tenho de graça."
Me despedi da garota e meu amigo e eu saímos dali com uma lição em mente. As pessoas são como são, não importa o que façam. Gostei muito de conversar com aquelas meninas, por mais que uma pena me acometa, em pensar que garotas tão lindas e inteligentes trabalham com aquilo. Me deu um certo medo, pois como eu já disse, se as visse na rua, jamais imaginaria que eram prostitutas. A sensação que tive é que toda aquela tranquilidade que elas passavam era falsa, assim como a sensualidade ensaiada para ganhar dinheiro. Para mim, são garotas tristes, que se viciaram na maneira mais fácil que encontraram de ganhar dinheiro, ainda que muitas delas nem precisassem tanto de dinheiro, pois vinham de famílias abastadas.
No fim, tudo o que descobri é que a gente nunca sabe quem são as pessoas de verdade. Antes eu tinha uma visão sobre as prostitutas, e agora eu tenho outra. Todos os estereótipos foram deixados de lado, inclusive os de "boa menina". Espero que a prostituição diminua, que as garotas encontrem jeitos diferentes de ganhar dinheiro, que os homens encontrem jeitos mais honestos de satisfazerem suas vontades sexuais.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O CPC da UNE e suas visões sobre cultura popular


As idéias de novas concepções de cultura popular, dissociando-a de seu significado tradicional, além das idéias revolucionárias do CPC da UNE, além de suas formas de desalienação, analisadas por Renato Ortiz, são discutidas através de uma visão de cultura diferenciada, em uma dialética que mostra não só o lado bom, mas também os erros do Centro Popular de Cultura, apontados pelo autor.

(Por Guilherme Peace)




A Abstração da Desalienação Cultural versus as Formas de Cultura Popular como Consciência à Alienação


Estudar as culturas brasileiras requer um acervo de idéias e de pesquisas que vão remeter às mais remotas fontes históricas do nosso país. Estas fontes nos mostrarão momentos ímpares da história da cultura do Brasil. A carta de Pero Vaz de Caminha, como o início, isso se não relatarmos as culturas indígenas, anteriores à chegada dos portugueses. Antônio Vieira, Gregório Matos, os poetas dos anos 1600 e 1700, Aleijadinho, José Bonifácio, Silvio Romero, Machado de Assis, a semana de 1922, da Arte Moderna, em suas várias fases, entre outros autores e fatos que contribuíram para a formação da história cultural do país.
Entre estes fatos marcantes da cultura, está o CPC da UNE, que tinha por um de seus objetivos, estudar como as pessoas pensavam a cultura do Brasil, além de avaliar, introjetar pensamentos.
Um ponto importante para a análise do CPC, discutida por Renato Ortiz em seu texto “Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE”, é o momento histórico em que foi formado. O CPC existiu entre os anos 1962 e 1964, sendo destituído com a imposição do Golpe Militar. O nacionalismo, tão exposto pelos militares, era também uma bandeira latente no CPC, assim como a educação, mas de formas diferentes. A política em estado de ebulição permitiu que o CPC tivesse uma ênfase toda voltada para a ação revolucionário-reformista. Esta tensão pré-Golpe Militar foi um dos principais pontos para o nascimento do Centro Popular de Cultura.
O CPC da UNE era formado por um grupo de jovens artistas e intelectuais que tinham como idéia a transformação do Brasil através das artes engajadas. Nomes como Guarnieri, Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha, e Arnaldo Jabor ilustram entre os integrantes do CPC, entre outros vários participantes importantes deste movimento.
Segundo Renato Ortiz, o CPC desenvolvia uma ideologia de tomada de consciência através das artes, baseada em conceitos de alienação, das teorias de Marx, Lukács e Gramsci. A alienação, em Marx, é a compreensão da alienação do sistema produtivo. Ao não entender o sistema produtivo o trabalhador se contenta com a mais-valia, tornando-se alienado. O objetivo do CPC era acabar com a alienação através da consciência. Efetuar uma transformação social através da cultura.
Para entender o movimento do CPC como mudança nas culturas, é preciso dissociar a idéia de folclore e cultura popular como sendo uma só cultura. “A noção de cultura popular enquanto folclore recupera invariavelmente a idéia de ‘tradição’” (ORTIZ, Renato – ‘Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE’ in Cultura Brasileira e Identidade Nacional). Então, associar cultura popular e folclore empresta à primeira a noção de tradição, definida pela burguesia européia como uma tradição de cultura das classes inferiores, para manter a burguesia em preservação de domínio. Esta é uma concepção conservadora. No Brasil, o folclore é mais levado como tradições das camadas agrárias, o que não deixa de ser um conservadorismo.
Assim, o CPC, neste momento representado por Ferreira Gullar e Carlos Estevam, dissocia o folclore de cultura popular: agora, cultura popular é um fenômeno novo na vida brasileira, é a cultura da transformação. Tendo uma nova concepção, não pode ser tradicional. Desta maneira, as obras da cultura popular não mais se tratam das manifestações artísticas populares tradicionais, mas sim às manifestações artísticas do próprio CPC, de arte como retaliação do sistema. Coloca-se, desta forma, a cultura popular separada das culturas alienadas, para que possa entrar em contraposição, sendo formada por intelectuais organizados com idéias de revolução. Para o CPC, os intelectuais são responsáveis por levar cultura e consciência às massas alienadas. A cultura popular como arma para reivindicação da justiça, melhores condições de vida e de trabalho. A cultura popular seria a cultura da transformação.
Porém, Renato Ortiz critica a forma do CPC tratar a cultura popular. Ele explica que, para o CPC, a arte como arte apenas, sem cunhos de manifestação de transformação, não é válida. O CPC desvaloriza e desqualifica as outras artes, que não as suas.
Quanto à ideologia, Renato Ortiz afirma que para o CPC, “a análise da realidade social se articula fundamentalmente através da categoria da alienação”. Isso gera os conceitos de “cultura alienada e desalinada”, além da teoria de Lukács, presente no conceito de “falsa consciência”. No CPC, a “falsa consciência” se transforma em “falsa cultura”, ou “cultura alienada”. Assim, para afirmar a cultura popular como ação do CPC, nega-se a manifestação popular. “Considerando o popular como ‘falsa cultura’, ele se encontra fatalmente encerrado nas malhas da esfera da alienação” (ORTIZ, Renato – ‘Da cultura desalienada à cultura popular – o CPC da UNE, in ‘Cultura Brasileira e Identidade Nacional, pág. 75).
Além deste, outro aspecto importante é o nacionalismo, presente na ideologia do CPC da UNE. É um aspecto comum à época. Para Ferreira Gullar, a cultura popular é de caráter nacionalista, pois popular e nacional são faces da mesma moeda. Esta idéia está presente em peças e músicas da época, que mostravam uma oposição do nacional ao estrangeiro. Assim, também, surge o cinema novo, reivindicando uma indústria cinematográfica nacional.
Este aspecto chega a trazer alguma contradição, em minha opinião. Ora, deve-se então extrair o conceito de “falsa cultura” do folclore e das manifestações culturais populares, para atribuir-lhes um conceito de, como cita Ortiz, “veracidade” nacional. Em uma das frases de Ortiz, na página 76: “o rock simbolizaria assim uma etapa do processo de alienação cultural, enquanto a música folclórica reafirmaria a identidade perdida no ser do outro”.
Por este motivo, a crítica de Renato Ortiz, quanto ao erro do CPC, é que quando o CPC considera as manifestações populares como alienação, ele mesmo se torna alienado a este conceito. Para o CPC, as “falsas euforias”, como o futebol e o carnaval, por exemplo, servem para distrair e alienar o povo. As sensações do corpo dominam as percepções da mente. Radicalizam o conceito de cultura. Só a arte contestadora é válida, desvalorizando as outras formas de arte. Esse é o grande erro do CPC.
Voltando aos conceitos ideológicos, Ortiz mostra como, na teoria de Gramsci, seguido pelo CPC, “a alienação do popular e do nacional, (...) se apresenta sob o ponto de vista da hegemonia.” Assim, volta-se ao problema das relações de força, referentes à indústria cultural. Os administradores culturais, a indústria cultural, seriam as forma de dominação social por meio de cultura, com meios como a TV Globo, a Embrafilme e a Funarte. É como se a infra-estrutura fosse entregada ao capital estrangeiro, mas a superestrutura ainda fosse nacional. A nacionalidade das formas culturais homogeneizadas seria então imaginária, já que as formas de dominação das culturas baseiam-se nas políticas de dominação e alienação. Somos educados culturalmente para sermos subservientes diante de um sistema desigual.
E é aí que se encontra a importância, o lado positivo do CPC da UNE. Intelectuais e artistas que se unem e vão à luta, com a arte e a cultura a serviço da consciência. Além de garantir seu lugar, mais que de direito, na história cultural do Brasil.

Considerações finais

Seria de ínfima maneira explicitar um movimento como o CPC apenas com base na leitura do texto de Renato Ortiz, se bem que este se mostra importante na desmistificação do Centro Popular de Cultura como um messias nas formas de ver as culturas populares em novas concepções. Assim, me vi obrigado a efetuar maiores pesquisas, tentando entender este movimento dos anos 1960 em seu âmago. Acredito ter analisado com sinceridade e imparcialidade a obra de Ortiz, verificando sua importância em mostrar a importância do CPC, mas também sua face de erro, como a radicalização já tão citada. Renato Ortiz consegue exprimir em seu texto o porquê de o CPC ter entrado para a história cultural do Brasil, como forma de movimento anti-alienação, em divulgação de idéias marxistas por meio da arte. Todos os tratamentos de Renato Ortiz para com o CPC da UNE são justos, sejam eles elogiosos, ou não. Portanto, entende-se o movimento das artes nos anos que precederam o Golpe Militar de 1964 como já contestadores, por meio da escrita de Renato Ortiz, em “Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE.”


Bibliografia:

- ORTIZ, Renato – “Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE” in “Cultura Brasileira e Identidade Nacional” (Editora Brasiliense, 1998)

- RIOS, Dermival Ribeiro – “Novo Dicionário da Língua Portuguesa” (DCL, 2004)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

A Morte do Amor e Suas Consequências - Capítulo 1

1. A Morte do Sentimento

1.1 O Mal deste século

Acusar Deus e o destino por todas as máximas sofridas no dia a dia é de praxe social irrevogável. Não se tem mais a espectativa incoerente de esperar pelo romance sincero como que surgido em "amores à primeira vista". O sentimento tem sido assassinado latentemente por décadas a fio, desde (sem querer trazer um debate de machismo e feminismo à tona) a Revolução Feminista, por exemplo.
Não é justo acusar determinado movimento por tamanha desordem emocional, seja ele revolucionariamente feminista ou religioso. Separar em fatores da sociedade, como a ascensão do capitalismo, as lutas por liberdade, mudanças na economia, trabalhismo, exploração, correria cotidiana e a velocidade de informação, seria como atribuir conceitos quase ilógicos às razões de sentimento.
O mal do século XIX foi a tuberculose, que matou centenas de milhares de pessoas, grande parte de artistas românticos e boêmios. Por certo tempo, principalmente nos anos 1980 do século XX, poderia-se dizer que o novo mal seria o HIV, doença incurável com índices altíssimos de óbito. Talvez até o câncer entrasse nesta "disputa", mas discordo em ambos os casos. Acredito que o mal do século XX e XXI é a depressão, causada por todos os fatores supracitados da nova sociedade.
A depressão aqui citada não é apenas a tristeza ou estado depressivo simples. O transtorno depressivo nervoso é uma doença, com tratamento médico especializado, caracterizada por sentimentos como tristeza profunda, falta de interesse, falta de prazer, entre outros. É um problema neurológico que pode ser causado por diversos fatores, como brigas, desilusões, estresse, entre outros. Aproximadamente 20% da população mundial tem ou já teve depressão, sendo as causas psico-sociais (o caso mais comum é o de desilusão amorosa), biológicas (disfunções hormonais, por exemplo) e traumas físicos fortemente estressantes, como acidentes, por exemplo.
Sabendo que o suicídio é como o estágio terminal depressivo, é necessário entender a depressão como o mal da atualidade, para basear a minha teoria.


1.2 Depressão e conseqüências depressivas - Decidindo matar os sentimentos

A maioria dos casos que confirmam a presente teoria de morte do sentimento aconteceram após depressões psico-sociais. As desilusões amorosas podem ser consideradas o principal agravante para que o amor se tornasse desvalorizado. É claro que é preciso associar fatores midiáticos, que serão citados mais à frente. Por enquanto, atemo-nos à depressão.
Sempre após um relacionamento difícil, os jovens principalmente, sentem que há um esfriamento sentimental. Isso após um período depressivo difícil, porém nem sempre profundo. A conseqüência do estado depressivo é sempre uma quase lascívia extravagância, divergindo, por vezes, de valores básicos adquiridos por toda a criação familiar. Porém, a própria família se desprende, em situações depressivas, principalmente se estas ocorrem no primeiro período da adolescência. Mas este é outro assunto a ser tratado posteriormente.
O importante é levantar o debate em torno da questão crucial em que a depressão e o estado pós depressivo são indicados como causa para a morte do sentimento.







(Guilherme Peace - continua)