quarta-feira, 22 de julho de 2009

O CPC da UNE e suas visões sobre cultura popular


As idéias de novas concepções de cultura popular, dissociando-a de seu significado tradicional, além das idéias revolucionárias do CPC da UNE, além de suas formas de desalienação, analisadas por Renato Ortiz, são discutidas através de uma visão de cultura diferenciada, em uma dialética que mostra não só o lado bom, mas também os erros do Centro Popular de Cultura, apontados pelo autor.

(Por Guilherme Peace)




A Abstração da Desalienação Cultural versus as Formas de Cultura Popular como Consciência à Alienação


Estudar as culturas brasileiras requer um acervo de idéias e de pesquisas que vão remeter às mais remotas fontes históricas do nosso país. Estas fontes nos mostrarão momentos ímpares da história da cultura do Brasil. A carta de Pero Vaz de Caminha, como o início, isso se não relatarmos as culturas indígenas, anteriores à chegada dos portugueses. Antônio Vieira, Gregório Matos, os poetas dos anos 1600 e 1700, Aleijadinho, José Bonifácio, Silvio Romero, Machado de Assis, a semana de 1922, da Arte Moderna, em suas várias fases, entre outros autores e fatos que contribuíram para a formação da história cultural do país.
Entre estes fatos marcantes da cultura, está o CPC da UNE, que tinha por um de seus objetivos, estudar como as pessoas pensavam a cultura do Brasil, além de avaliar, introjetar pensamentos.
Um ponto importante para a análise do CPC, discutida por Renato Ortiz em seu texto “Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE”, é o momento histórico em que foi formado. O CPC existiu entre os anos 1962 e 1964, sendo destituído com a imposição do Golpe Militar. O nacionalismo, tão exposto pelos militares, era também uma bandeira latente no CPC, assim como a educação, mas de formas diferentes. A política em estado de ebulição permitiu que o CPC tivesse uma ênfase toda voltada para a ação revolucionário-reformista. Esta tensão pré-Golpe Militar foi um dos principais pontos para o nascimento do Centro Popular de Cultura.
O CPC da UNE era formado por um grupo de jovens artistas e intelectuais que tinham como idéia a transformação do Brasil através das artes engajadas. Nomes como Guarnieri, Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha, e Arnaldo Jabor ilustram entre os integrantes do CPC, entre outros vários participantes importantes deste movimento.
Segundo Renato Ortiz, o CPC desenvolvia uma ideologia de tomada de consciência através das artes, baseada em conceitos de alienação, das teorias de Marx, Lukács e Gramsci. A alienação, em Marx, é a compreensão da alienação do sistema produtivo. Ao não entender o sistema produtivo o trabalhador se contenta com a mais-valia, tornando-se alienado. O objetivo do CPC era acabar com a alienação através da consciência. Efetuar uma transformação social através da cultura.
Para entender o movimento do CPC como mudança nas culturas, é preciso dissociar a idéia de folclore e cultura popular como sendo uma só cultura. “A noção de cultura popular enquanto folclore recupera invariavelmente a idéia de ‘tradição’” (ORTIZ, Renato – ‘Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE’ in Cultura Brasileira e Identidade Nacional). Então, associar cultura popular e folclore empresta à primeira a noção de tradição, definida pela burguesia européia como uma tradição de cultura das classes inferiores, para manter a burguesia em preservação de domínio. Esta é uma concepção conservadora. No Brasil, o folclore é mais levado como tradições das camadas agrárias, o que não deixa de ser um conservadorismo.
Assim, o CPC, neste momento representado por Ferreira Gullar e Carlos Estevam, dissocia o folclore de cultura popular: agora, cultura popular é um fenômeno novo na vida brasileira, é a cultura da transformação. Tendo uma nova concepção, não pode ser tradicional. Desta maneira, as obras da cultura popular não mais se tratam das manifestações artísticas populares tradicionais, mas sim às manifestações artísticas do próprio CPC, de arte como retaliação do sistema. Coloca-se, desta forma, a cultura popular separada das culturas alienadas, para que possa entrar em contraposição, sendo formada por intelectuais organizados com idéias de revolução. Para o CPC, os intelectuais são responsáveis por levar cultura e consciência às massas alienadas. A cultura popular como arma para reivindicação da justiça, melhores condições de vida e de trabalho. A cultura popular seria a cultura da transformação.
Porém, Renato Ortiz critica a forma do CPC tratar a cultura popular. Ele explica que, para o CPC, a arte como arte apenas, sem cunhos de manifestação de transformação, não é válida. O CPC desvaloriza e desqualifica as outras artes, que não as suas.
Quanto à ideologia, Renato Ortiz afirma que para o CPC, “a análise da realidade social se articula fundamentalmente através da categoria da alienação”. Isso gera os conceitos de “cultura alienada e desalinada”, além da teoria de Lukács, presente no conceito de “falsa consciência”. No CPC, a “falsa consciência” se transforma em “falsa cultura”, ou “cultura alienada”. Assim, para afirmar a cultura popular como ação do CPC, nega-se a manifestação popular. “Considerando o popular como ‘falsa cultura’, ele se encontra fatalmente encerrado nas malhas da esfera da alienação” (ORTIZ, Renato – ‘Da cultura desalienada à cultura popular – o CPC da UNE, in ‘Cultura Brasileira e Identidade Nacional, pág. 75).
Além deste, outro aspecto importante é o nacionalismo, presente na ideologia do CPC da UNE. É um aspecto comum à época. Para Ferreira Gullar, a cultura popular é de caráter nacionalista, pois popular e nacional são faces da mesma moeda. Esta idéia está presente em peças e músicas da época, que mostravam uma oposição do nacional ao estrangeiro. Assim, também, surge o cinema novo, reivindicando uma indústria cinematográfica nacional.
Este aspecto chega a trazer alguma contradição, em minha opinião. Ora, deve-se então extrair o conceito de “falsa cultura” do folclore e das manifestações culturais populares, para atribuir-lhes um conceito de, como cita Ortiz, “veracidade” nacional. Em uma das frases de Ortiz, na página 76: “o rock simbolizaria assim uma etapa do processo de alienação cultural, enquanto a música folclórica reafirmaria a identidade perdida no ser do outro”.
Por este motivo, a crítica de Renato Ortiz, quanto ao erro do CPC, é que quando o CPC considera as manifestações populares como alienação, ele mesmo se torna alienado a este conceito. Para o CPC, as “falsas euforias”, como o futebol e o carnaval, por exemplo, servem para distrair e alienar o povo. As sensações do corpo dominam as percepções da mente. Radicalizam o conceito de cultura. Só a arte contestadora é válida, desvalorizando as outras formas de arte. Esse é o grande erro do CPC.
Voltando aos conceitos ideológicos, Ortiz mostra como, na teoria de Gramsci, seguido pelo CPC, “a alienação do popular e do nacional, (...) se apresenta sob o ponto de vista da hegemonia.” Assim, volta-se ao problema das relações de força, referentes à indústria cultural. Os administradores culturais, a indústria cultural, seriam as forma de dominação social por meio de cultura, com meios como a TV Globo, a Embrafilme e a Funarte. É como se a infra-estrutura fosse entregada ao capital estrangeiro, mas a superestrutura ainda fosse nacional. A nacionalidade das formas culturais homogeneizadas seria então imaginária, já que as formas de dominação das culturas baseiam-se nas políticas de dominação e alienação. Somos educados culturalmente para sermos subservientes diante de um sistema desigual.
E é aí que se encontra a importância, o lado positivo do CPC da UNE. Intelectuais e artistas que se unem e vão à luta, com a arte e a cultura a serviço da consciência. Além de garantir seu lugar, mais que de direito, na história cultural do Brasil.

Considerações finais

Seria de ínfima maneira explicitar um movimento como o CPC apenas com base na leitura do texto de Renato Ortiz, se bem que este se mostra importante na desmistificação do Centro Popular de Cultura como um messias nas formas de ver as culturas populares em novas concepções. Assim, me vi obrigado a efetuar maiores pesquisas, tentando entender este movimento dos anos 1960 em seu âmago. Acredito ter analisado com sinceridade e imparcialidade a obra de Ortiz, verificando sua importância em mostrar a importância do CPC, mas também sua face de erro, como a radicalização já tão citada. Renato Ortiz consegue exprimir em seu texto o porquê de o CPC ter entrado para a história cultural do Brasil, como forma de movimento anti-alienação, em divulgação de idéias marxistas por meio da arte. Todos os tratamentos de Renato Ortiz para com o CPC da UNE são justos, sejam eles elogiosos, ou não. Portanto, entende-se o movimento das artes nos anos que precederam o Golpe Militar de 1964 como já contestadores, por meio da escrita de Renato Ortiz, em “Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE.”


Bibliografia:

- ORTIZ, Renato – “Da cultura desalienada à cultura popular: o CPC da UNE” in “Cultura Brasileira e Identidade Nacional” (Editora Brasiliense, 1998)

- RIOS, Dermival Ribeiro – “Novo Dicionário da Língua Portuguesa” (DCL, 2004)

3 comentários:

  1. Maravilhosa sua explanação!
    Me ajudou muito a entender partes que em Renato Ortiz não consegui completamente.
    Obrigada. =)

    Estudante de Administração - (UFBA)

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  2. obg

    aluno de Letras(USP)

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  3. obg amigo clareou muito
    aluna de publicidade e propaganda PE

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