sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Foca - Meu primeiro ano como jornalista

Capítulo 1

Houve uma época em que as mensagens ao vivo eram moda. Em uma noite qualquer, em dia de semana mesmo, um carro poderia parar em frente à sua casa. Pelos adesivos no capô, os vizinhos já saberiam do que se tratava. Alguns seriam tímidos, e ficariam em frente aos próprios portões, disfarçando, mas olhando curiosamente. Outros, mais descarados, se reuniriam às crianças – elas sempre estavam lá – e prestariam bastante atenção para saber quem era o “felizardo”. O motorista do carro desceria, assim como o passageiro. Geralmente era um cameraman com cara de entediado. Eles abriam o porta-malas, onde um belo sistema de som tocaria alguma música romântica, clichê e apelativa. Algo de Lara Fabian ou Celine Dion. Música alta. O motorista, geralmente vestido de terno, usaria um microfone para chamar o destinatário da mensagem. E aí começava o verdadeiro constrangimento. Todos os vizinhos na rua, olhando, enquanto a pessoa que recebeu a mensagem faria de tudo para não sair de casa e ter que ser protagonista do show. Seus familiares o obrigariam, entre sorrisos e piadas. A pessoa que enviou a mensagem não se pronunciava até o final. E o motorista do carro chamando. Suponhamos que a homenageada da vez se chamasse “Giselda”.

- Giselda! – diria o mensageiro – Venha Giselda. Temos uma mensagem de muito carinho pra você!

A coitada da Giselda sairia de casa, enxugando as mãos com um pano de prato (ela estava lavando a louça no momento em que recebeu a tal da mensagem). Rodeada pelos familiares e curiosos, Giselda se posicionaria em local estratégico da calçada, fazendo o máximo para não ser focalizada pela câmera.

- Giselda, minha querida – começaria o mensageiro, no microfone. Lara Fabian cantando ao fundo. Até a molecada que jogava bola interromperia a brincadeira. Não dava pra perder uma mensagem ao vivo. – “Giselda, luz dos meus dias! Você é uma pessoa muito especial para nós”.

A essa hora, o marido da Giselda já teria se entregado, abraçando a esposa mais vermelha que um pimentão.

- “Giselda, minha linda” – leria o mensageiro – “Somos felizes por poder compartilhar a tua presença”!

Depois de mais um monte de lugares comuns, crianças tentando se aparecer para a câmera e um choro de Giselda – eu nunca soube se as pessoas que recebiam estas mensagens choravam de emoção ou de vergonha – o mensageiro entregava um buquê de rosas vermelhas, uma faixa de lembrança, e a música chegava ao ápice. Algo digno de cena dramática de novela das oito. O motorista e o cameraman iam embora, e todos parabenizavam o marido romântico de Giselda, enquanto ela mesma enxugaria as lágrimas, ainda com o rosto ardendo de vergonha. As mensagens ao vivo eram realmente constrangedoras, e, ao mesmo tempo, uma espécie de evento para a vizinhança. Elas eram moda mais ou menos em 2001. Foi nesta mesma época que tive meu primeiro contato com o jornalismo.

Eu devia ter uns doze ou treze anos. Era começo de ano, e a escola ainda não tinha voltado das férias. De manhã, era sempre a mesma coisa. Depois de assistir aos desenhos pela televisão, eu juntava algumas moedas, aquelas que ganhava de minha mãe por ter lavado o quintal ou limpado a sujeira do Petrúquio, nosso vira-latas acinzentado, e ia à mercearia da rua de baixo para comprar minha bala de maçã-verde preferida. Não sei se ainda fabricam desta bala. Era realmente uma delícia. O fato é que havia uma movimentação fora do comum em frente à mercearia. Um carro prateado, com o logotipo da Rede Globo e da TV Alterosa, filial da Globo em Belo Horizonte, estava estacionado, com uma estranha antena em cima, enquanto o Seu Benê, dono da mercearia, conversava com uma mulher lindíssima, que tinha o rosto carregado de maquiagem. Assim como quando havia alguma mensagem ao vivo, toda a vizinhança estava do lado de fora das casas. As crianças se amontoavam perto do rapaz magricela e de boné virado para trás, que segurava uma pesada câmera. Ele usava um colete verde, cheio de bolsos, como o colete de um pescador. A mulher trajava um terno simples, mas elegante. Quando ela apontou o microfone para Seu Benê, eu soube que era uma reportagem. Só não sabia o que estava acontecendo.

- Assaltaram a mercearia – ouvi a mãe do meu amigo Saulo, que morava ali perto, comentando com outra vizinha qualquer. – Acho que estão ao vivo.

Eu só sabia associar “ao vivo” aos trágicos plantões que via na Globo, que sempre começavam com aquela musiquinha que faz qualquer brasileiro tremer, enquanto espera pela notícia do desastre, ou às fatídicas mensagens. Vi o Saulo, tão curioso quanto eu, correndo para dentro da mercearia. Acompanhei. Ali, ao lado da mesa de sinuca – pois as mercearias em bairros de subúrbio também são bares – havia uma televisão, sempre ligada no noticiário. E lá estava Seu Benê, ao vivo, explicando sobre o assalto. Era um link ao vivo para o noticiário local, em um daqueles jornais rápidos que aparecem entre uma e outra programação. Mesmo com a reportagem acontecendo ao nosso lado, Saulo, eu e as outras crianças não conseguíamos despregar os olhos da tela da televisão. Era engraçado ver o Seu Benê de todos os dias ali, na tela. Era como se fosse um artista, ou algo do gênero. E foi assim que chamamos o Seu Benê por um bom tempo: “artista”.

Ter um carro da Globo estacionado em nosso bairro, ainda que fosse da filial Alterosa, deu motivo para conversas durante umas duas semanas. Ouvi a molecada comentando que uma menina até pediu o autógrafo do Seu Benê, mas não acho que seja verdade. Mas uma coisa não me saía da cabeça. O colete verde do cinegrafista era tão legal!

Voltei a pensar em jornalismo alguns meses depois, quando voltava da escola. Nossa rua era um morro íngreme, e a Paloma, minha irmã um ano mais nova, e eu, subíamos devagar, segurando as alças das mochilas. Minha mãe estava esperando ao portão, o que não era comum. Ela parecia bastante nervosa. Usava seu avental de lavar roupa, que lhe tirava o aspecto juvenil que ela sempre possuiu, com sua aparência de adolescente. O rosto estava vermelho, como se ela tivesse cravado as unhas nas bochechas, o que fazia às vezes, quando estava aflita.

- Que bom que vocês chegaram – ela exclamou. A Paloma e eu nos olhamos, assustados. – O mundo está acabando!

Corremos para dentro de casa, as mochilas ainda nas costas. Meu irmão menor, o Luquinhas, esbarrou em mim no corredor que levava à sala.

- Eles cortaram o Dragon Ball no meio! – reclamou. Fiquei ainda mais aflito. Se cortaram o Dragon Ball no meio, então devia ser importante. Até meu padrasto estava em casa, atento à televisão. Eram mais ou menos onze horas.

Um prédio na televisão. Tinha fumaça, mas eu não entendi o que um prédio pegando fogo em Nova Iorque, pelo que dizia a legenda, tinha de importante, para interromperem o Dragon Ball e fazer minha mãe dizer que o mundo estava acabando. Então um avião apareceu no canto da tela e acertou em cheio o prédio ao lado do que soltava fumaça. Foi muito rápido. Fiquei sem entender por alguns segundos, e então perguntei para ninguém:

- É filme?

A Rede Globo continuou transmitindo o desastre do World Trade Center por uma semana. O Jornal Nacional daquela noite foi inteiro sobre este assunto. Hoje sei que foi um programa premiado.

Minha mãe é exatamente como eu. Os sentimentos dela são amplificados, tudo é intenso demais. Quando viu dois aviões se chocarem contra prédios, ao vivo, seu susto se transformou em medo, que se tornou conclusão: o mundo estava acabando. Demorou um tempo para que ela tirasse esta paranóia da cabeça. Mas me assustou.

Na escola, não se falava de outra coisa. Aprendemos sobre o Afeganistão, a Jihad e George Bush. A professora de geografia nos ensinou o que era Imperialismo Norte-Americano, e um punk socialista deu uma palestra sobre o domínio dos Estados Unidos e a busca por petróleo. As aulas de vídeo, nas quais geralmente assistíamos a algum filme da Disney enquanto os caras mais velhos da turma davam uns amassos nas meninas no fundo escuro da sala, ficaram mais interessantes com as gravações dos telejornais, principalmente do Jornal Nacional, que a professora levava para instigar a discussão em aula. Era engraçado ver o Willian Bonner dizer “boa noite” às dez da manhã. Mas, assim como o assalto à mercearia do Seu Benê, logo o assunto esfriou. Não falávamos mais sobre o World Trade Center, e o jornalismo saiu da minha cabeça.

O ano seguinte fez com que eu voltasse a assistir aos noticiários. Um operário, algo como mecânico, pelo que eu entendia, concorria à presidência do país. Eu simpatizava com nosso presidente, o Fernando Henrique Cardoso, mesmo sem saber nada sobre política. Isso porque eu sempre ouvia meu padrasto dizer que o “FHC é um baita presidente”. Mas quando vi aquele homem barbudo, que falava engraçado e não tinha o dedo mindinho, algo se acendeu em mim. Eu queria que ele ganhasse, e pronto. Não entendia suas propostas, não sabia de sua história. Mas passei a assistir aos horários eleitorais gratuitos e aos debates entre os presidenciáveis, nos quais sempre torcia por ele. Na hora do Jornal Nacional, que meu padrasto assistia todas as noites, eu ficava esperando para ver meu candidato favorito.

Não me importava com os outros cargos, não queria saber da política em si. A principal discussão naqueles meses era a Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. Na escola, este era o tema das aulas de geografia. Eu não entendia muito bem do que se tratava, mas sabia que não era bom. E o meu candidato atava a Alca todos os dias, no horário político. Mais um ponto pra ele.

Lula ganhou as eleições. Em casa, só eu parecia feliz. O Jornal Nacional da segunda-feira após as apurações recebeu o novo presidente eleito, que participou do programa inteiro. E como era simpático este presidente!

Meu padrasto assinava a revista Veja. Nós não líamos aos jornais, mas eu tinha atividades na escola em que recortava algumas notícias. Mesmo os ataques diretos ao novo presidente não me faziam mudar de idéia quanto à minha simpatia. Mas me impressionava o modo como aquelas notícias instigavam a discussão. Novamente, eu não entendia o porquê, mas percebia como o jornalismo era poderoso.

Dois anos depois, eu concedi a minha primeira entrevista. Eu já não vivia em Belo Horizonte, mas em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e o tema da entrevista era a minha banda de rock, Bagunça Organizada. O repórter era um estudante de jornalismo, que fazia um trabalho para a faculdade, sobre bandas independentes. Eu tinha quinze anos e era guitarrista e vocalista, além de compositor. O rapaz, um japonês esquivo, me procurou na escola – eu ainda não tinha parado de estudar. Nos sentamos em um dos bancos da praça. Ele ligou um gravador de mão e pediu que eu falasse sobre as músicas, sobre tocar, sobre meus gostos e minha relação com a família. Como bom geminiano, falei bastante. Ele usou os dois lados da fita. Após quase duas horas de conversa, ele me agradeceu, apertou a minha mão, e foi embora. Eu nunca li aquela entrevista, e nunca mais vi o tal japonês.

As fanzines eram mania entre os adolescentes do meio underground. Como gostava de desenhar, comecei uma, para poder mostrar minhas histórias em quadrinhos do Shunda, o Homem-Bunda, que fizeram sucesso na escola, em Belo Horizonte, dois anos antes. Para uma zine, eu precisava de mais do que desenhos. Escrevi à mão um release sobre minhas músicas, critiquei alguns discos do Guns’n Roses, não poupei elogios ao Nirvana, e fui em busca de um entrevistado interessante.

Nos anos em que vivi em Ribeirão Preto, e vivi intensamente, conheci diversas figuras marcantes. Mas poucas delas eram como o Kelsen. Um punk com já seus trinta e tantos anos, o corpo coberto de tatuagens e piercings, era de chamar a atenção. Meu primeiro contato com Kelsen já foi bastante chocante. Íamos tocar na casa de shows Mogiana, em um festival com diversas bandas. Quando o Distúrbio Mental, a banda em que Kelsen cantava, subiu ao palco, deu pra perceber que o cara fazia jus ao nome da banda. Não havia espaço em seu corpo que não tivesse tatuagens. E dava pra perceber bem isso, pois ele usava apenas uma tanga feminina, com um tapa-sexo, onde uma boneca de plástico, sem os braços, estava pendurada por uma corrente amarrada não sei aonde. Ele entrou, enquanto a banda executava um pesado hardcore, com uma garrafa na mão e uma tocha acesa na outra. Antes de cantar, Kelsen cuspiu fogo. Ele tomava um gole do líquido da garrafa e cuspia fogo sobre nossas cabeças. Depois, apagou a tocha e começou a cantar. Se é que se pode dizer que aquilo era cantar. Seus berros agudos me faziam lembrar de um bebê chorando de fome. Era bizarro.

Kelsen tinha um estúdio de tatuagens no centro da cidade. Fui ao estabelecimento, receoso, com o gravador que havia pegado emprestado do baterista da minha banda. Kelsen estava tatuando alguém. Era uma moça bastante bonita, dessas que a gente nunca imagina que teria uma tatuagem. O contraste entre Kelsen e a moça era quase cômico. Ele terminou o último traço da tatuagem na parte traseira da cintura da moça, conversou com ela por alguns instantes, e veio me atender. Expliquei sobre a zine, e ele aceitou me dar a entrevista.

Eu havia preparado algumas perguntas, mas não sabia que, em uma entrevista com alguém de conteúdo, a conversa pode tomar rumos inesperados. Entrevistei o Kelsen por mais de uma hora, e não fiz nenhuma das perguntas que havia anotado em uma folha de caderno. Foi uma conversa muito interessante. Depois, em casa, ouvi a fita inteira umas duas vezes. Não fazia idéia de por onde começar a transcrição, então desisti do zine.

Mais alguns anos, e eu estava prestes a escolher uma faculdade. Já havia decidido por História, mas a Filosofia, Pedagogia, Psicologia e Música também me chamavam a atenção. Eu já estava com vinte anos, então era bom me decidir rápido. Assisti a uma entrevista da banda Los Hermanos no programa do Jô Soares. Eu já havia me tornado fã da banda algum tempo antes, e fiquei impressionado ao descobrir que os integrantes tinham se conhecido na faculdade de jornalismo, na Pontífice Universidade Católica, a PUC, do Rio de Janeiro.

Em minha família, e somos uma família bastante grande, ninguém jamais havia passado por uma universidade. No entanto, o Brasil estava diferente agora. Eu já conhecia melhor ao presidente Lula, que fora reeleito, e gostava ainda mais do político. O programa Universidade Para Todos, o Prouni, dava ao estudantes carentes que fossem bem no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, a chance de bolsas de estudos em diversas universidades particulares. Fui razoavelmente bem no Enem, e, pelo site do Prouni, poderia me inscrever para concorrer a bolsas em cinco universidades diferentes. Excluí a Música – eu não conseguiria passar nos exames práticos – e me inscrevi em História, Filosofia, Pedagogia, Psicologia e Jornalismo, nesta ordem. Nunca havia pensado em cursar Jornalismo, mas coloquei assim mesmo, apenas por curiosidade. Além disso, estava influenciado pelos Los Hermanos. No mês seguinte, veio a resposta. Eu passei somente em Jornalismo, em uma faculdade nova de São Paulo. Eu morava com minha mãe em Atibaia, interior paulista, na época. A notícia de que eu entrara em uma faculdade foi tão forte para minha mãe que ela não teve reação. Ela disse apenas um “parabéns”, e o que eu interpretei como frieza, soube posteriormente que era surpresa. Ela seria a primeira mãe de nossa família que poderia dizer que tinha um filho na faculdade. E isso deve significar alguma coisa.

A rotina não era fácil. Eu acordava às quinze para as cinco, saía de casa e pegava um ônibus especial para a capital. Depois de mais de uma hora de viagem, pegava o metrô até a Vila Mariana, e chegava às quinze para as sete na faculdade. Saía da aula às onze e trinta, pegava o metrô e corria para a Rodoviária do Tietê. Precisava chegar em Atibaia antes das quatorze, pois entrava às quinze no trabalho de telemarketing. Saía do trabalho às vinte e duas e trinta, chegava em casa às vinte e três e dormia pouco depois da meia-noite. Na faculdade, não havia o tradicional constrangimento que vemos os alunos bolsistas de filmes e novelas sofrerem, pois oitenta por cento de minha turma era bolsista pelo Prouni. E a turma era grande, com cerca de setenta alunos.

Então, para ser clichê (como dizia Scott Wealand, da banda Stone Temple Pilots, “abuse do clichê”), o Jornalismo ganhou meu coração. As aulas eram fantásticas, os professores se tornaram deuses. Entre eles, o mais adorado era o professor Domingos Zamagna, que ministrava Comunicação e Expressão, algo como a gramática avançada do Ensino Médio. Zamagna era um homem muito velho, de cabelo branco e sempre muito bem vestido. Jornalista experiente, trabalhou na Rede Globo por mais de dez anos e era editor de uma revista sobre economia. Costumávamos dizer que, só de estar perto dele, já aprendíamos. Suas aulas eram salpicadas de ironia inteligente e comentários sobre o jornalismo dos anos 1960. Ele possuía uma distinta arrogância dos que sabem muito. Pura experiência. Falava pelo menos seis idiomas, era tradutor de bíblias e sempre nos explicava uma palavra desde o grego. Era reservado. Fui um dos poucos alunos que fizeram amizade com Zamagna. Ele costumava dizer que eu parecia com o filósofo Jean Paul Sartre, quando moço. Isso por causa dos meus cachecóis.

No segundo semestre de faculdade, Zamagna passou uma atividade especial para a classe. Deveríamos fazer uma reportagem completa, para jornal impresso. Ele dividiu a turma em duplas, e cada grupo deveria elaborar sua própria pauta, desde a concepção da idéia original à execução das entrevistas em si. Suas aulas eram uma simulação de uma redação jornalística, o que era ótimo, pois a maioria de nós jamais havia entrado em uma redação. Suas provas eram apenas textos, e tínhamos acesso a bons dicionários e livros de vocabulário, que ele deixava em cima de sua mesa.

No sorteio das duplas, fiquei com a Lívia Fonseca, uma mato-grossense por quem eu nutria uma paixonite. Ela queria fazer uma matéria diferente, que nos destacasse. Não era difícil, uma vez que Lívia também era uma querida do professor. Nossa facilidade com a escrita fez com que Zamagna se aproximasse de nós dois. Sugeri que fizéssemos uma reportagem sobre a prostituição na Rua Augusta. Lívia gostou da idéia.

A Rua Augusta é um ponto famoso da cidade de São Paulo. Ali estão os principais bares, boates e danceterias da noite paulistana. Todos os tipos de pessoas, de diversos estilos, circulam pelo local. A Augusta também é nacionalmente famosa por ser o mais diversificado ponto de prostituição do país. Garotas de programa de rua, de casas fechadas, de centros de massagem, de bares, travestis, ninfetas, velhas e transexuais são alguns dos muitos “atrativos” do lugar. Quem conhece a Rua Augusta, mesmo que de passagem, pode dispensar as minhas explicações. E a quem não conhece, desafio o uso da imaginação, pois apenas ela pode impor limites aos tipos que se encontra por lá.

Lívia e eu nos encontramos no cruzamento entre a Rua Augusta e a Avenida Paulista. Não tínhamos bolado um plano, e não tínhamos certeza de se poderíamos entrar nos prostíbulos para entrevistar as garotas. Mas resolvemos tentar assim mesmo.

Fomos bem recebidos logo no primeiro. Um homem de terno escuro estava parado à porta, e convidava de um jeito bastante peculiar, os rapazes que passavam pela calçada a entrar.

- Venham! Aqui tem bucetada na cara sem dó nem piedade!

Lívia quase deu a meia-volta. Ela mal podia respirar, de tanto que ria. Segurei minha companheira pelo braço, e, também rindo, entrei no estabelecimento.

O bar era escuro, com fracas luzes vermelhas. Uma música horrível tocava no jukebox, e uma garota seminua dançava em volta de uma barra de ferro. Era começo de expediente, então poucos clientes estavam sentados nos bancos ao redor do balcão de madeira lustrosa. Ouvimos gemidos, e percebemos que vinham de uma televisão instalada no alto do bar, onde um filme pornô mostrava um casal em uma posição que, pra mim, era no mínimo desconfortável. Lívia parecia estranhamente deslocada, com sua aparência de boa moça.

- Será que não vão me confundir? – sussurrou sorrateiramente.

- Pode ter certeza que não – eu disse, com meio sorriso.

Ela usava uma bata, jeans e sapatilhas de plástico. Seu rosto era cuidadosamente maquiado e os cabelos lisos e sedosos. Ela definitivamente parecia a filha bem cuidada de uma mãe coruja.

As moças que dançavam e desfilavam pelo bar eram bonitas, mas vulgares. As que tinham roupas vestiam peças curtas e decotadas, o realmente valorizava sua voraz sensualidade. Mesmo para um homem como eu, era um pouco constrangedor caminhar por ali para fazer um trabalho de faculdade. Nos aproximamos da garota que parecia menos “ocupada”, e nos apresentamos como repórteres de um site qualquer. Lívia levou sua pequena máquina fotográfica digital, mas ficamos receosos de usá-la ali dentro. Ao invés disso, pedimos para falar com o responsável pela casa. A garota sumiu por uma porta atrás do balcão, e, minutos depois, voltou acompanhada de uma mulher com aspecto de dona-de-casa. A cafetina nos cumprimentou amigavelmente, nos convidando a sentar. Escolhemos uma das mesinhas espalhadas pelo local, mais ao canto. Os clientes começavam a encher o bar, e lançavam olhares furtivos a nós. Aposto que imaginavam coisas do tipo: “hum... um casalzinho de jovens pervertidos”, ou pior. Procurei não prestar atenção aos olhares. Lívia estava realmente envergonhada.

Perguntamos sobre a prostituição, sobre as garotas que trabalhavam ali e seu dia a dia. A cafetina foi simpática, e escolheu a menina mais extrovertida para conversar conosco. A garota falou bastante, e tivemos muitas revelações sobre aquela profissão, coisas que não imaginávamos. Saímos empolgados do bar, e fomos a outros bares. Estávamos tão felizes com o sucesso de nossa empreitada, que entrevistamos até um travesti, que fazia ponto em uma esquina. É claro que só soubemos que se tratava de um travesti quando ouvimos sua voz, já que o cara se passaria facilmente por uma linda colegial.

Na semana seguinte, quando Lívia e eu apresentamos o texto da reportagem ao professor Zamagna, ele ficou bastante impressionado. Nenhum dos alunos havia tomado tamanha iniciativa, de realmente ir à apuração dos fatos, principalmente no fim de semana e na Rua Augusta. Ganhamos um dez pelo trabalho, e ainda mais credibilidade com o professor. Agora Zamagna nos parava nos corredores, nos horários entre as aulas, para conversar sobre reportagens interessantes e bons livros extra-acadêmicos. Ele nos ensinou a cultivar boas fontes e não ter medo dos entrevistados, o que foi realmente útil. Ele também nos forçou a aprender como escrever rápido e sob diferenciadas circunstâncias, para que entendêssemos o trabalho do jornalista em uma redação de um impresso diário.

Para facilitar minha ida à faculdade, mudei-me para Mogi das Cruzes, a cidade em que nasci, mas que estranhamente nunca havia morado pra valer. Mogi fica mais perto da capital, e a viagem de trem, ainda que demorada, custava dois reais e cinqüenta e cinco centavos, dez reais mais barato que a passagem do ônibus de Atibaia. Com isso, eu economizava vinte reais por dia, o que era muito, dado o meu baixo salário como teleatendente. Passei a trabalhar em São Paulo, com a mesma profissão. Aos sábados, freqüentava um bar de jazz, por ironia, na Rua Augusta, ou um outro bar, que tocava música brasileira, em Mogi mesmo. Como meus amigos moravam em Atibaia ou Ribeirão Preto, e os colegas da faculdade tinham as próprias atividades a exercer nos sábados à noite, eu costumava sair sozinho. O passeio era sempre o mesmo: eu levava um livro qualquer, me sentava em uma mesa distante, de preferência na área externa do bar, para poder fumar, pedia uma cerveja e ficava bebericando lentamente, ouvindo a música enquanto lia meu livro. Foi assim que tive minha grande oportunidade.

Eu estava no bar de Mogi, sentado sozinho em uma das mesas de aço, lendo o livro de crônicas do Bob Dylan e fumando meus cigarros Hollywood vermelhos. A banda tocava qualquer canção de Vanessa da Mata, e o bar estava razoavelmente cheio. Dava pra ver através do vidro fosco o garçom correndo com a bandeja entre as mesas. Em uma mesa próxima à minha, três garotas conversavam e riam abertamente. Eram bonitas, mas eu estava entretido com meu livro. Uma delas se levantou, veio até a minha mesa e ficou parada, olhando pra mim. Eu levantei os olhos do livro.

- Está lendo Bob Dylan? – perguntou a garota, japonesa, sorrindo. “Não, estou namorando com a garçonete, por osmose”, tive vontade de responder, mas é claro que fui bastante educado, já que a garota era bonita e tinha tomado a iniciativa.

- Pois é – eu disse. – Você gosta?

- Não – ela respondeu, e as amigas riram na outra mesa – Mas é que achei estranho alguém vir sozinho ao bar pra tomar uma cerveja e ler um livro.

Eu sorri.

- Gosto de fazer isso.

- Vem sentar com a gente!

Não pensei duas vezes. Levantei-me e peguei minha garrafa. Sentei entre as duas mais bonitas da mesa, uma moça com cabelos castanhos e pele branquíssima, e uma loira. Elas se apresentaram. A japonesa se chamava Juliana, a branca era a Lívia (“outra Lívia em minha vida”, pensei), e a loira era Mariana. Ou Débora. Não me lembro. O que importa é que, com alguns minutos de conversa, descobri que as três eram jornalistas formadas e trabalhavam como repórteres em um dos principais jornais da cidade. Fiquei impressionado com minha sorte.

- Sou estudante de jornalismo! – exclamei, infantilmente. As três riram.

- Não faça isso com a sua vida! – disse Lívia. – Você vai se arrepender...

Não sei se ela estava brincando, mas as amigas riram ainda mais. Elas já deviam estar um pouco bêbadas. Passamos o resto da noite discutindo se ainda valia a pena ser jornalista nos dias de hoje, mesmo com a queda do diploma e tudo o mais. Trocamos os números de telefone, e eu fui embora, estranhamente satisfeito. Estranhamente porque, geralmente, se eu conhecesse garotas bonitas como aquelas em uma noite qualquer, eu deveria pelo menos tentar algo. Não aconteceu isso desta vez, mas mesmo assim me senti bem.

Lívia era a que mais combinava comigo. Os gostos e idéias eram praticamente iguais, inclusive para a música. Além disso, era a mais bonita. Mas foi para a Juliana que eu liguei no dia seguinte, e continuei ligando a semana inteira. Isso porque ela pareceu mais receptiva à idéia de tentar um estágio para mim no jornal em que trabalhava. Combinamos de sair no fim de semana seguinte, e ela deu a notícia:

- Não consegui nada.

Fiquei desapontado. Sempre conto com a idéia de que as coincidências acontecem por motivos benéficos, como se o universo conspirasse ao nosso favor, e ser abordado por três jornalistas em um bar, quando se é estudante de jornalismo e nunca se teve contato direto com um profissional atuante, pra mime uma dessas coincidências positivas. Portanto, eu tinha quase certeza de que conseguiria o trabalho ainda naquele mês. Mas Juliana continuou:

- Eles não estão contratando ninguém. Período difícil. Mas falei de você para uma amiga.

Ela me levou para a mesa em que estava sentada com as colegas, no fundo do bar, e me apresentou a outra garota, uma jovem com aspecto de hippie, cabelos cacheados e armados, que faziam com que tivesse uma beleza ainda mais atraente, uma coisa meio diferente.

- Esta é a Ludmila – disse Juliana. – Ela é subeditora em nosso concorrente.

As duas riram, e Ludmila apertou a minha mão. Conversamos muito, enquanto bebíamos cerveja e fumávamos. Discutimos sobre o conservadorismo do Estadão e as repentinas mudanças da Folha de São Paulo. Fali sobre a concisão nos textos, e como aquilo me desagradava. A opinião de Ludmila era completamente diferente. Ela disse que era por causa de seu cargo como subeditora. Assim como Juliana, ela me prometeu tentar algo em seu jornal. Como não havia dado certo com a primeira, fiquei um pouco desiludido, e não depositei esperanças. Pra mim, ela não havia guardado nem o meu nome. Eu estava errado.

No dia seguinte, meu celular tocou cedo.

- Guilherme? – era a voz de Ludmila.

- Sim – eu respondi, impressionado pela ligação. Cheguei a pensar que ela havia se interessado por mim, ainda que não tivesse demonstrado nada na noite anterior.

- Lembra daquele estágio que falei que ia tentar pra você?

- Sim – disse novamente, já com raiva de mim mesmo, por não conseguir desenvolver uma conversa que passasse dos monossílabos.

- Venha ao jornal na quarta-feira, às nove. Você fará um teste.

Não pude conter a alegria e fiz meu tradicional “youppie!”.

Os dois dias que faltavam para a quarta-feira foram de pura ansiedade. Mal pude dormir, até que o dia chegou. Era a minha grande chance.

Arrumei-me bem, com minha melhor camiseta e meu jeans menos roto. Minha barba estava enorme, mas como fazia parte de minha promessa, que é assunto para um outro capítulo, não a tirei. Pedi informações aos taxistas do centro da cidade, pois não fazia idéia de onde ficava o jornal. Peguei o ônibus e consegui chegar, com uns quinze minutos de atraso. Como diria um amigo, “eu sempre chego atrasado, quando chego”.

A redação estava vazia, exceto por uma ou duas pessoas ocupadas em seus computadores. Eu nunca havia entrado em um jornal, e fiquei reparando em volta. Era um espaço amplo, com muitas mesas e computadores. Pouco diferia do local onde eu trabalhava como teleatendente até duas semanas antes, quando pedi demissão. Procurei por Ludmila, mas ela não estava. A mulher que digitava em um dos computadores do fundo da redação se levantou.

- Você é o Guilherme?

- Sou sim – falei, quase inaudível. É incrível o modo como fico sem voz quando estou nervoso. É como se as palavras travassem na garganta. Pigarreei, limpando a garganta, e repeti. – Sim, sou eu.

- Sou a Cristina – disse a mulher. – A Ludmila avisou que você viria...

- Onde ela está? – cortei, sem querer.

- Ela entra à tarde, para a edição – Cristina pareceu não notar minha falta de educação. – Certo. Vamos começar?

Ela me levou até um dos computadores, ligou e começou a explicar.

- Aqui ficam as pautas do dia – ela apontou para o ícone do Word em uma das pastas. – E aqui está a sua pauta. Você pode pegar um fotógrafo e um motorista e ir pra rua, pois já está atrasado.

Fiquei travado na cadeira. Eu nunca havia sequer visto uma pauta de verdade, sem contar com as pautas que o professor Zamagna mostrara nas aulas de Redação Jornalística, quanto mais saído para fazer uma reportagem, com fotógrafo e tudo. Quando a Ludmila disse por telefone que eu seria testado, pensei que eles me dariam um texto para escrever e analisariam a qualidade da minha escrita. Mas não. Eu estava ali, em frente a uma pauta com o meu nome, e já estava atrasado. Minha cabeça fervilhava de perguntas e medos, eu tremia, mas tudo o que consegui dizer foi:

- Tá bom.

Levantei-me, fui até a mesa dos fotógrafos e perguntei quem iria comigo. Um homem com seus trinta e tantos anos, mais ou menos gordo, com a barba por fazer e com um estranho e jovial penteado de cabelos lisos e louros, longos e caindo sobre o rosto, se levantou.

- Daniel – se apresentou. – Não se preocupe, eu lhe ajudo.

Por qualquer motivo, eu sabia que podia confiar naquele cara. Um maço de Marlboro praticamente saltava de seu bolso, e a pesada câmera estava pendurada pela alça em seu pescoço. Ele me levou ao pátio do jornal e chamou um dos motoristas, um senhor com bigode e cabelos brancos. Seu nome era Benedito, mas era chamado de Seu Dito. Entramos no carro, um Gol prateado com os adesivos com o nome do jornal. O que mais chamava a atenção eram os dizeres “Reportagem”, no vidro de trás. Eu tinha vontade de rir o tempo todo. Sentei-me no banco de trás, com o vidro aberto e o braço pra fora. Pode parecer estranho, mas meu maior desejo naquele momento era que minha mãe me visse.

Daniel, de forma educada, perguntou algumas coisas sobre mim. Eu sabia que ele estava apenas tentando acabar com a minha tensão, mas me senti muito grato por isso. Falei sobre a faculdade e sobre minha preocupação em não saber o que fazer ali.

- Fique tranqüilo – ele disse. – É mais fácil do que parece.

Chegamos ao local da reportagem. Minha pauta era muito sucinta, nada parecida com aquelas folhas extensas que o professor Zamagna mostrara em aula. Dizia pouquíssimo sobre o que eu deveria fazer. Era mais ou menos assim:

“Guilherme: Simulação de incêndio. O Corpo de Bombeiros fará uma simulação de incêndio na escola Dona Placidina, no centro. Acompanhe e veja o desenrolar. Fale com o comandante e com os alunos”.

A rua havia sido fechada para a simulação. Um caminhão do Corpo de Bombeiros estava estacionado em frente à escola, e os alunos estavam agrupados na quadra de esportes. Os bombeiros usavam os trajes de combate ao fogo.

- A concorrência já está aí – disse Daniel, apontando para o carro do jornal concorrente, enquanto Seu Dito estacionava. Descemos, e tamanho foi meu alívio em ver quem estava ali, que sorri. Lívia conversava com o fotógrafo de seu jornal.

- Guilherme! – ela disse, e veio em minha direção. Eu não sabia se podia confraternizar com o concorrente, então lancei um olhar furtivo ao Daniel. Ele ria, enquanto fazia qualquer piada com o fotógrafo de Lívia. Interpretei aquilo como um sinal verde. Cumprimentei a Lívia.

- Pelo amor de Deus, me ajuda! – eu disse, sorrindo.

- Que bom que a Ludi conseguiu o estágio pra você! – ela falou, também sorrindo. – Vamos, eu te ajudo.

Praticamente imitei o que ela fazia e perguntava. Fiquei admirado com sua eloqüência e domínio da atividade, e tentei parecer à vontade. Entrevistamos o comandante, funcionários da escola e os alunos que participaram da simulação. Quando nos despedimos, Lívia me desejou boa sorte e disse que estava à disposição, caso precisasse de ajuda. Agradeci muito, e fui embora com Daniel e Seu Dito, para cumprir as demais pautas.

Eu estava realmente nervoso. Minhas mãos tremiam, e mesmo estando frio, eu suava. Entrei na redação silenciosamente. Sentei-me ao computador em que Cristina havia me mostrado a pauta, e fiquei olhando para a tela em branco. Um voz me tirou a concentração.

- Você está sentado na mesa da Noêmia.

Virei o corpo e quase torci o pescoço. Uma garota morena de cabelos alisados sorria pra mim.

- Estou brincando – ela disse – A Noêmia está de férias. Você está fazendo um teste?

- Sim – respondi, sentindo que os monossílabos voltavam.

- Sou Jamile. – ela disse, e eu disse meu nome. – Boa sorte.

Jamile voltou ao trabalho, e eu fiz o mesmo. Havia apurado material em três pautas diferentes, e não sabia por onde começar. Resolvi começar pelo começo. O nervosismo era tanto, que terminei os três textos em meia hora. Salvei no local em que Jamile me orientou, assustada pela velocidade em que havia escrito.

- E agora? – eu perguntei, aflito.

- Agora avisa que terminou e vá embora – disse Jamile.

Levantei-me e fui à mesa indicada por Jamile. A mesa do chefe, Márcio Siqueira. Um homem relativamente novo, com os cabelos bem penteados e o terno aparentemente feito sob medida. Ele falava ao telefone. Esperei, e sentei-me na cadeira em frente à sua mesa. Ele apertou minha mão, e sorriu.

- E então? – disse.

- Bom, é... – gaguejei. Apesar disso, sua aparência me passava confiança. – Terminei os textos.

Márcio olhou para o relógio.

- A que horas entrou? – perguntou, com o cenho franzido.

- Às nove – eu disse. E completei – Nove e quinze, pois não sabia o endereço, e...

- Mas faz menos de uma hora que voltou da apuração, certo? – ele me cortou.

- Sim...

- Deixe-me ler isso – ele abriu os textos na tela de seu computador. Márcio leu silenciosamente aos três textos, sem mudar a feição. Eu queria enfiar a cabeça em um buraco, sair correndo, ou chorar. Mas fiquei quieto.

- Certo – ele disse. – Volte amanhã, à mesma hora.

E foi só. Me levantei, atônito, e fui embora. No dia seguinte, fui bem cedo à banca, comprei o jornal, e sorri. Ali, na página nove, com uma foto pequena no alto da página e um grande anúncio de uma loja de móveis, estava a minha reportagem sobre a simulação de incêndio. Li e reli. A edição mudara apenas o título. O texto estava praticamente intocado. Sorri para o jornaleiro, e corri para o jornal.

Na redação, a conversa com Márcio, após as apurações do dia, se repetiu. Ele leu os textos e balançou a cabeça afirmativamente.

- O pessoal daqui gostou bastante do seu modo de escrever – ele disse, como se falasse do tempo. Eu quase explodi de alegria, mas continuava tenso. O teste era de dois dias, e aquele era o momento decisivo.

- O salário é baixo – ele começou, e eu abri o sorriso. Senti que ia chorar, então me segurei. – E o trabalho é pesado.

- Estou disposto a trabalhar de graça – eu falei – Quero aprender.

- Pois bem – Márcio se levantou, ainda educadamente sério – Não precisa trabalhar de graça. Bem vindo ao Mogi News.

Me senti como a Giselda, com a mensagem ao vivo. Sabia que meu rosto estava queimando e minhas orelhas deviam estar vermelhas. Deu vontade de chorar, mas era alegria. Eu só conseguia rir. Apertei a mão de Márcio e saí, quase saltitando.

No jornal, embaixo do título da reportagem, meu nome estava publicado:

“Guilherme Peace, da reportagem local”.

E foi assim que começou.

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